Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Richir (1992:45-46) – possibilidade de ser

sexta-feira 2 de fevereiro de 2024

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Parece-nos que toda a novidade contundente da concepção heideggeriana   do Dasein   pode ser condensada na sua "descoberta" da possibilidade ontológico-existencial como possibilidade de ser, ou de existir, no sentido transitivo, não isto ou aquilo, mas tanto si mesmo como, no mesmo movimento, o mundo, ou seja, nada de ôntico. Uma possibilidade que não tem uma finalidade determinada, que não existe com vista ou em relação à realização de um "real" determinado por categorias lógico-idéticas, ela não procede portanto de um plano pré-estabelecido, não é um projeto de algo que existiria "em ideia", mas procede de um projeto (Entwurf  ), de um ek-stasis na origem, no aí do ser-o-aí, a partir do qual só algo como a realidade do real (a etantidade do ser, o ser do ente) pode ser recebido e elaborado. É no ser-para-a-morte e no seu calvário, como sabemos, que o Dasein encontra tanto a sua individualidade radical (ipséité, Selbstheit  ) como o conjunto das suas possibilidades ontológico-existenciais de existir, tendo como pano de fundo a possibilidade sempre já posta em ação em sua existência factícia aparece como afetada de "nulidade", pela Nichtigkeit  . Em outras palavras, é neste encontro, que tem de ser, indefinidamente, um encontro "resolvido" da Eigentlichkeit   do Dasein, que o Dasein encontra, ao mesmo tempo, a sua facticidade. Pois, se a própria facticidade deve proceder de uma possibilidade ontológico-existencial entre todas as outras, se, portanto, ela própria deve proceder de um projeto ontológico-existencial de existir, ela deve descobrir-se, eo ipso, como um projeto sempre já lançado no mundo, naquilo que é, apesar de tudo, algo como Uneigentlichkeit, uma espécie de esquiva originária do ser-para-a-morte. Encontramos aí a esquiva de que faz objeto a Stimmung  , e mais profundamente a Befindlichkeit  . Esta evasão é contornada, por assim dizer, pela analítica existencial, que considera certos Stimmungen — a angústia, o tédio profundo — como Grundstimmungen capazes de "despertar" a Eigentlichkeit, isto é, a afetividade na sua temporalização existencial polarizada pelo passado : é precisamente isso que permite a Heidegger dividir, enigmaticamente, as tonalidades afectivas em "autênticas" e "inautênticas", a saber, o grau de não dissimulação, na Stimmung, da temporalidade autêntica.

original

Toute la nouveauté bouleversante de la conception heideggerienne du Dasein nous paraît pouvoir être condensée dans sa «découverte» de la possibilité ontologique-existentiale comme possibilité d’être, ou d’exister, au sens transitif, non pas ceci ou cela, mais soi-même tout autant que, dans le même mouvement, le monde, c’est-à-dire rien d’ontique. Possibilité qui n’a aucune finalité déterminée, qui n’est pas là en vue de ou eu égard à la réalisation d’un «réel» déterminé par les catégories logico-eidétiques, elle [46] ne procède donc pas d’un plan préétabli, elle n’est pas projet de quelque chose qui existerait «en idée», mais elle procède d’un projet (Entwurf), d’une ek-stase   à l’origine, au là de l’être-le-là à partir duquel seulement peut s’accueillir et s’élaborer quelque chose comme la réalité du réel (étantité de l’étant, être de l’étant). C’est dans l’être-pour-la-mort et son épreuve, on le sait, que le Dasein rencontre, tout à la fois, son individualité (ipséité, Selbstheit) radicale, et le tout de ses possibilités ontologiques-existentiales d’exister, sur fond duquel la possibilité toujours déjà mise en œuvre dans son existence factice apparaît comme affectée de «nullité», de Nichtigkeit. Autrement dit, c’est dans cette rencontre, qui doit être, indéfiniment, rencontre «résolue» de l’Eigentlichkeit du Dasein, que le Dasein rencontre, du même coup, sa facticité. Car, si celle-ci elle-même doit procéder d’un possible ontologique-existential parmi tous les autres, si donc elle doit elle-même procéder d’un projet ontologique-existential d’exister, elle doit se découvrir, eo ipso, comme projet toujours déjà jeté au monde, dans ce qui est, malgré tout, quelque chose comme l’Uneigentlichkeit, une sorte d’esquive originaire de l’être-pour-la-mort. On retrouve là l’esquive dont fait l’objet la Stimmung, et plus profondément la Befindlichkeit. Esquive que contourne, pour ainsi dire, l’analytique existentiale, en considérant certaines Stimmungen — l’angoisse, l’ennui profond — comme Grundstimmungen susceptibles de «réveiller» l’Eigentlichkeit, c’est-à-dire aussi l’affectivité dans sa temporalisation existentiale polarisée par le passé : c’est cela même qui permet à Heidegger de diviser, énigmatiquement, les tonalités affectives en «authentiques» et «inauthentiques», à savoir le degré de non-dissimulation, dans la Stimmung, de la temporalité authentique.

[RICHIR  , Marc. Méditations phénoménologiques. Phénoménologie et phénoménologie du langage. Grenoble: Jérome Millon, 1992]


Ver online : Marc Richir