O problema da aparição do ente foi formulado tentativamente por Aristóteles , em Peri psyches, 431b 20 e sgs. [1] Para que as coisas apareçam, quer [13] dizer, para que a sua forma surja e se mostre, é necessário um ente de natureza particular, a saber, a psique, o princípio vital [Lebendigkeit]. Apenas quando há o princípio vital pode o ente mostrar-se. O princípio vital é, porém, a disposição activa para a obra de um corpo orgânico [Leib ] não produzido, o qual está dotado de todas as coisas com as quais pode ser mantido em função. Uma das funções (operações) mais efectivas que distingue os seres animados é, contudo, precisamente, o deixar-aparecer [Erscheinenlassen]. Há, porém, um deixar-aparecer, por um lado, daquelas coisas que são mutáveis, pois estão num aqui e num agora, e, portanto, apenas se podem encontrar num aqui-agora (aisthesis ), e, por outro lado, daquelas outras acerca das quais o agora não tem qualquer sentido, que são, neste sentido, supratemporais (noesis ). Sob o ponto de vista do aparecer, tudo o que é (ta pragmata ) se vê repartido em aistheta e noeta, e certamente tanto segundo a sua possibilidade quanto segundo a sua realidade.
Por que razão é a alma inevitavelmente necessária para a aparição das coisas? Porque as formas das coisas, porquanto não aparecem, estão em alguma parte, isto é, nas coisas — não há mesmo nenhumas formas para ta megethe e quando elas surgem como formas puramente para si, necessitam de um lugar. Este lugar deve ter ele próprio uma forma, um viso [Aussehen ] [2] de um tipo singular — deve ser algo que possa receber outras formas, deve ser eidos eidon, para que possa devir lugar dos eide. Dito em palavras modernas: deve ter um lado “noemático”, deve poder contrapor-se ele próprio “objectivamente” no interior da alma. Isto expressa-o Aristóteles por meio de uma analogia singular, segundo a qual a alma é qualquer coisa como uma mão, que é instrumento dos instrumentos, isto é, que dá à partida o carácter instrumental a tudo o que pode servir como instrumento — sem mão, não haveria qualquer instrumento, cada instrumento devém um utensílio primeiramente pela mão, e assim a alma faz também de todas as formas propriamente formas, isto é, coisas aparecentes; mas, com isto, a mão não altera de modo algum aquilo que manipula, isso permanece aquilo que era e [14] devém, graças à manipulação, aquilo que é, aquilo que continha de disposição, de possibilidade.
Deste modo, pode ser dito que as coisas aparecem na alma sem por isso perderem a sua forma própria, a sua essência. Isto é válido tanto para os ais theta como para os noeta. Assim, tanto aquilo que é singular, encontrado numa situação, como o geral-supratemporal aparecem na alma.
Contudo, é isto suficiente para podermos dizer: a alma é de alguma maneira (ainda por investigar) as coisas? Quer dizer, no seu deixar-aparecer, a alma não é diferente das coisas. Na sua manipulação do instrumento, a mão permanece deste distinta, ela não se identifica de modo nenhum com martelo e agulha, de cuja presença independente ela, pelo contrário, precisa. Aqui reside, por conseguinte, uma distinção: a mão é certamente uma boa analogia para o lugar, mas não para a identidade, melhor, para a identificação; e, no entanto, dela fala Aristóteles porquanto diz: he psyche ta onta pos estin.
A identificação, que tem lugar no interior da alma, não pode ser compreendida se não estiver na alma o poder de ter o mesmo de modos diferentes e, neste quadro, de efectuar uma identificação.
Com a sua tese de que a alma é, de algum modo misterioso, o ente, Aristóteles apreende conjuntamente não apenas a essência da chamada “intencionalidade”, mas também a doutrina acerca dos diversos modos de aparição do mesmo.
Apenas que estes diversos modos de aparição do mesmo são imediatamente limitados em Aristóteles a um tipo que, tal como em Platão , determina uma sobrecarga do ente que aparece relativamente ao modo como aparece. O mesmo, que aí aparece, é interrogado por via da relação do estético ao noético, da relação entre o que é para encontrar [des zu Begegnenden] e o que sempre já é [Immerschön-Seiendes ]. Mostra-se que a alma, para se poder ressentir daquilo a respeito do qual o tempo é irrelevante, deve ter tido uma aisthesis e ter-se dela servido numa modificação da phantasia . Assim, a doutrina acerca dos diversos modos de aparição toma-se outra vez uma doutrina dos graus de conhecimento que a alma deve percorrer para se elevar da “superfície sensível” até à altura da essência do ente.