Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Nietzsche (VP:§331): assim deveria ser…

sábado 11 de julho de 2020

São pouquíssimos os que têm claro que o ponto de vista da desejabilidade, todo “assim deveria ser, mas não é” ou mesmo um “assim haveria de ter sido”, encerra em si uma condenação do curso integral das coisas. Pois neste não há nada isolado: a menor coisa arrasta o todo, todo o edifício do futuro está de pé sobre a pequena injustiça, e assim se condena conjuntamente o todo em cada crítica ao detalhe mais insignificante. Ora, está estabelecido que a norma moral  , como admite o próprio Kant  , não foi jamais plenamente cumprida e permanece suspensa sobre a realidade como uma espécie de além, sem jamais se deixar apanhar nela: assim, a moral encerra em si um juízo sobre o todo, o que, porém, permitiria perguntar: de onde ela retira o direito para isso? Como a parte chega aqui a bancar o juiz perante o todo? — E se, de fato, esse julgamento moral e incapacidade na realidade, como se afirmou, fosse um instinto inextirpável, não pertenceria talvez esse instinto também às tolices incorrigíveis e às incapacidades da nossa espécie? — Mas, enquanto dizemos isso, fazemos aquilo que censuramos; o ponto de vista da desejabilidade, do bancar sem autorização o juiz também pertence ao caráter do curso das coisas, assim como toda injustiça e imperfeição, — é precisamente o nosso conceito de “perfeição” que não encontra o que lhe é devido. Todo impulso que se quer satisfazer exprime a insatisfação com o presente estado de coisas: como? É talvez possível que o todo seja composto de partes puramente insuficientes, que possuam desejabilidades na cabeça? Será talvez o “curso das coisas” precisamente o “fora daqui”, o “fora da realidade!”, a eterna insatisfação ela mesma? Será talvez a desejabilidade a força propulsora ela mesma? Será ela — deus?

[Excerto de NIETZSCHE  , Friedrich. A Vontade de Poder. Tr. Marcos Sinésio Pereira Fernandes e Francisco José Dias de Moraes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011, p. 181-182]


Ver online : A VONTADE DE PODER [VP]