Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Michel Henry (E:92-94) – Afetividade

sexta-feira 30 de setembro de 2022

Nougué

Em que consiste essa vinda a si que precede nela toda impressão concebível?

É a vinda a si da vida. Pois a vida não é nada além do que se experimenta a si mesmo sem diferir de si, de modo que essa experiência é uma experiência de si e não de outra coisa, uma autorreve-lação em sentido radical. Como se cumpre a revelação que está em curso nessa autorrevelação e a torna possível como tal — como uma autoafecção radicalmente imanente, exclusiva de toda hetero-afecção? A vida se experimenta a si mesma num páthos  ; é uma Afetividade originária e pura, uma Afetividade que nós chamamos transcendental   porque é ela, com efeito, que torna possível o experimentar-se a si mesmo sem distância no sofrer inexorável e na passividade insuperável de uma paixão. E nessa Afetividade e como Afetividade que se cumpre a autorrevelação da vida. A Afetividade originária é a matéria fenomenológica da autorrevelação que constitui a essência da vida. Ela faz dessa matéria uma matéria impressionai, que jamais é uma matéria inerte, a identidade morta de uma coisa. É uma matéria impressionai que se experimentando a si mesma impressionalmente e não cessa de fazê-lo, uma autoimpressionalidade vivente. Essa autoimpressionalidade vivente é uma carne. É somente porque pertence a uma carne, porque traz em si essa autoimpressionalidade patética e vivente, que toda impressão concebível pode ser o que é, uma “impressão”, [92] essa matéria impressionai sofredora e fruidora em que se autoim-pressiona a si mesma.

O caráter afetivo, “impressionai” da impressão não é, portanto, nada de que nos devamos limitar a constatar a facticidade sua vinda não se sabe como, nem de onde, nem a quê: ele remete à sua possibilidade mais interior, à sua pertença a uma carne, à autorre-velação patética desta na vida. E aí está por que a impressão considerada em sua matéria tampouco é cega, aí está por que ela não tem de pedir ao fazer-ver da intencionalidade, à estrutura ek-stática do fluxo, que no-la mostre quando esta não pode senão aniquilá-la: porque, em sua própria impressionalidade, na matéria fenomeno-lógica pura de sua autoafecção, como matéria afetiva, ela é em si mesma, e inteiramente, revelação.

Perguntávamos, apoiados na tese de Husserl  : não é verdade que toda impressão, assim que chega, desaparece? Cada uma de nossas impressões, tanto as mais fortes como as mais fracas, aquelas que, por assim dizer, não percebemos, e aquelas, ao contrário, cuja lembrança guardamos para sempre, cada um desses “instantes” aos quais quereríamos dizer, como Fausto em Goethe  : “Para, tu és tão belo!”, todas essas epifanias efêmeras não deslizaram, com efeito, para um passado cada vez mais remoto, para desaparecer por fim no “inconsciente”? A vida ser breve não tem que ver com seus limites num tempo objetivo, mas diz respeito ao fato de que, com efeito, ela é um fluxo em que nenhuma impressão, feliz ou infeliz, permanece, no nada que a corrói a cada um de seus passos.

No apólogo intitulado A Cidade Mais Próxima, Kafka conta a história de um velho homem cuja casa é a última do vilarejo e que, na soleira da porta, vê passar aqueles que vão para a cidade vizinha. Se eles suspeitassem, pensa ele, como é breve a vida, nem sequer partiríam para a cidade mais próxima, sabendo que não têm tempo de chegar até ela. E essa irrealidade principiai do tempo — o fato de nenhuma realidade nunca se edificar nele — o que era expresso pela [93] intuição de Eckhart   segundo a qual o que aconteceu ontem está tão longe de mim quanto o que aconteceu há milhares de anos.

Original

En quoi consiste cette venue en soi qui précède en elle toute impression concevable ?

C’est la venue en soi de la vie. Car la vie n’est rien d’autre que cela qui s’éprouve soi-même sans différer de soi, en sorte que cette épreuve est une épreuve de soi et non d’autre chose, une auto-révélation en un sens radical. Comment s’accomplit la révélation à l’œuvre en cette auto-révélation et la rendant possible comme telle – comme une auto-affection radicalement immanente, exclusive de toute hétéro-affection ? La vie s’éprouve soi-même dans un pathos ; c’est une Affectivité originaire et pure, une Affectivité que nous appelons transcendantale parce que c’est elle en effet qui rend possible le s’éprouver soi-même sans distance dans le subir inexorable et la passivité insurmontable d’une passion. C’est dans cette Affectivité et comme Affectivité que s’accomplit l’auto-révélation de la vie. L’Affectivité originaire est la matière phénoménologique de l’auto-révélation qui constitue l’essence de la vie. Elle fait de cette matière une matière impressionnelle, qui n’est jamais une matière inerte, l’identité morte d’une chose. C’est une matière impressionnelle s’éprouvant soi-même impressionnellement et ne cessant de le faire, une auto-impressionnalité vivante. Cette auto-impressionnalité vivante, c’est une chair. C’est seulement parce qu’elle appartient à une chair, parce qu’elle porte en elle cette auto-impressionnalité pathétique et vivante, que toute impression concevable peut être ce qu’elle est, une « impression », cette matière impressionnelle souffrante et jouissante en laquelle elle s’auto-impressionne elle-même.

Le caractère affectif, « impressionnel » de l’impression n’est donc rien dont on doive se borner à constater la facticité, sa venue on ne sait comment, on ne sait d’où, dans on ne sait quoi : il renvoie à sa possibilité la plus intérieure, à son appartenance à une chair, à l’auto-révélation pathétique de celle-ci dans la vie. Et voilà pourquoi l’impression considérée dans sa matière n’est rien d’aveugle non plus, voilà pourquoi elle n’a pas à demander au faire-voir de l’intentionnalité, à la structure ek-statique du flux de nous la montrer quand celle-ci ne peut que l’anéantir : parce que, dans son impressionnalité même, dans la matière phénoménologique pure de son auto-affection, comme matière affective, elle est elle-même, de part en part, révélation.

Nous demandions, à l’appui de la thèse de Husserl : n’est-il pas vrai de toute impression que, sitôt venue, elle disparaît ? Chacune de nos impressions, les plus fortes comme les plus faibles, celles dont nous ne nous sommes pour ainsi dire pas aperçus, celles au contraire dont nous gardons à jamais le souvenir, chacun de ces « instants » auxquels nous voulions dire, comme le Faust de Goethe : « Arrête-toi, tu es si beau ! », toutes ces épiphanies éphémères n’ont-elles pas glissé en effet dans un passé de plus en plus lointain, sombrant à la limite dans l’« inconscient » ? Que la vie soit brève, cela ne tient pas à ses limites dans un temps objectif, mais à ceci en effet qu’elle est un flux en lequel aucune impression, heureuse ou malheureuse, ne demeure, au néant qui la ronge à chacun de ses pas.

Dans l’apologue intitulé Le Plus Proche Village, Kafka raconte l’histoire d’un vieil homme dont la maison est la dernière du hameau et qui, sur le pas de sa porte, regarde passer ceux qui s’en vont au village voisin. S’ils se doutaient, songe-t-il, combien la vie est brève, ils ne partiraient pas même pour le plus proche village, sachant qu’ils n’ont pas le temps d’aller jusqu’à lui. C’est cette irréalité principielle du temps – le fait qu’aucune réalité ne s’édifie jamais en lui – qu’exprimait l’intuition d’Eckhart selon laquelle ce qui s’est passé hier est aussi loin de moi que ce qui est arrivé il y a des milliers d’années.


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