Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Michel Henry (AD:18-20) – fenomenologia e fenomenalidade

quarta-feira 13 de maio de 2020

nossa tradução

A fenomenologia é a ciência da essência dos fenômenos e esta essência é aquilo que os torna possíveis enquanto fenômenos. A possibilidade interior de um fenômeno, seja ele qual for, não é outra senão sua fenomenalidade, ou seja, seu aparecer. Portanto, devemos distinguir rigorosamente isto que aparece, por exemplo, a mesa que está à minha frente, disto que lhe permite aparecer.

Esta questão é estudada na Estética Transcendental   da Crítica da Razão Pura. Kant   mostra ali que isto que permite a esta mesa me aparecer, tal qual me aparece, é o espaço enquanto representação a priori  , que serve de fundamento às intuições externas. Para que um objeto espacial qualquer seja possível, devo ter a intuição do espaço. O espaço é, portanto, a condição para a possibilidade de fenômenos. Para ampliar a questão, pode-se estabelecer este princípio: a condição de possibilidade de um fenômeno não é jamais senão seu conteúdo particular, ou mais precisamente isto que lhe permite se mostrar, em outros termos sua manifestação ou sua fenomenalidade. O objeto da fenomenologia não é, portanto, o objeto no sentido em que o entendemos de maneira ordinária, mas a maneira como este se dá a nós. Esta definição fundamental é formulada nas famosas lições de 1905, dadas por Husserl   em Göttingen, que renovam completamente a concepção do tempo na modernidade. Husserl mostra que o objeto adequado da fenomenologia são "os objetos no como", melhor dizendo, no como de sua dação para nós. Se considero precisamente a temporalidade da dação, o objeto, por exemplo, esta conferência, pode se dar a mim no presente, aqui e agora, ou bem no passado, como será o caso logo-logo, ou bem ainda no futuro tal qual vocês a anteciparam. Como aponta Husserl, "a forma do como é a orientação: o atual, o logo-passado, o advindo". Em outras palavras, a dação no passado, a dação no presente, a dação no futuro são temas de investigação que devem ser cernidos enquanto tais. O que significa, por exemplo, uma dação para o futuro, seja ele qual for, seja a minha jornada para a estação se eu tiver que pegar o trem mais cedo ou qualquer outro projeto?

Diria, portanto, que a fenomenologia não considera os objetos tanto em sua particularidade quanto no como de sua dação. É abrir um campo infinito de investigação, porque este objeto, digamos que esta sala de seminário com seus participantes, possa se dar aqui a mim em um como sempre novo: pode-o na percepção atual, mas também na imaginação. Pode-o até se dar a mim conceitualmente: o que é um seminário de sociologia? E assim por diante. Estes modos de dação são absolutamente fundamentais, eles são mais importantes do que aquilo que nos é dado através deles.

Levando adiante a análise, direi que o objeto da fenomenologia se situa além do objeto no como de sua dação, quer dizer, além da maneira pela qual se dá a mim, por exemplo, esta mesa aqui apresenta-se enquanto objeto de percepção no espaço. Mais radicalmente, o objetivo da fenomenologia consiste a não mais se ocupar dos objetos para tomar unicamente em consideração apenas seus modos de dação enquanto modos disto que se pode chamar do aparecer puro. Independentemente de tudo o que aparece, há de fato um aparecer puro que dele é a condição. O objetivo da fenomenologia é, portanto, o modo de dação, ou seja, o modo de mostração, de manifestação, de revelação – todos esses termos sendo equivalentes. Podemos dizer com mais precisão que o objeto da fenomenologia é a fenomenalidade enquanto processo, em outras palavras, a fenomenalização da fenomenalidade, quer dizer, ainda a maneira pela qual a fenomenalidade pura se fenomenaliza, vem a se mostrar efetivamente. Mas então, se o objeto da fenomenologia é o modo de fenomenalização dos entes, esta questão permanece formal  . Enquanto falamos apenas sobre o modo de fenomenalização em geral, ainda não dizemos em que consiste fenomenologicamente, em aparecer efetivo, esta maneira de fenomenalizar. E é, no entanto, isto que deveria ser dito.

Agora, se nos referirmos aos princípios essenciais da fenomenologia como foram definidos por Husserl, vemos que este modo de fenomenalização da fenomenalidade, ou seja, a efetividade de um aparecer, permaneceu em uma total indeterminação, que atinge no coração os princípios e exige que esta fenomenologia seja levada mais adiante.

Original

La phénoménologie est la science de l’essence des phénomènes et cette essence est ce qui les rend possibles en tant que phénomènes. La possibilité intérieure d’un phénomène, quel qu’il soit, n’est autre que sa phénoménalité, autrement dit son apparaître. Nous devons par conséquent distinguer de façon rigoureuse ce qui apparaît, par exemple la table qui est là devant moi, de ce qui lui permet d’apparaître.

Cette question est étudiée dans l’Esthétique transcendantale de la Critique de la raison pure. Kant y montre que ce qui permet à cette table de m’apparaître telle quelle m’apparaît est l’espace en tant que représentation a priori qui sert de fondement aux intuitions extérieures [1]. Pour qu’un objet spatial quelconque soit possible, je dois posséder l’intuition de l’espace. L’espace est donc la condition de possibilité des phénomènes. Pour élargir la question on peut établir ce principe : la condition de possibilité d’un phénomène n’est jamais que son contenu particulier, ou plus précisément ce qui lui permet de se montrer, en d’autres termes sa manifestation ou sa phénoménalité. L’objet de la phénoménologie n’est donc pas l’objet au sens où nous l’entendons de manière ordinaire, mais la façon dont celui-ci se donne à nous. Cette définition fondamentale est formulée dans les fameuses leçons de 1905, données par Husserl à Göttingen [2], qui renouvellent entièrement la conception du temps dans la modernité. Husserl montre que l’objet propre de la phénoménologie ce sont « les objets dans le comment », mieux, dans le comment de leur donation pour nous. Si je considère précisément la temporalité de la donation, l’objet, par exemple cette conférence, peut se donner à moi au présent, ici et maintenant, ou bien au passé comme ce sera le cas tout à l’heure, ou bien encore au futur telle que vous l’avez anticipée. Ainsi que le souligne Husserl, « la forme du comment est l’orientation : l’actuel, le tout-juste-passé, l’advenant » [3]. Autrement dit, la donation au passé, la donation au présent, la donation au futur sont des thèmes de recherche qui doivent être cernés en tant que tels. Que signifie par exemple une donation au futur, quelle qu’elle soit, qu’il s’agisse de mon trajet vers la gare si je dois prendre le train tout à l’heure ou de tout autre projet ?

Je dirai en conséquence que la phénoménologie ne considère pas tant les objets dans leur particularité que dans le comment de leur donation. C’est ouvrir un champ de recherche infini parce que cet objet, disons cette salle de séminaire avec ses participants, peut se donner ici à moi dans un comment toujours nouveau : il le peut dans la perception actuelle, mais aussi en imagination  . Il peut même se donner à moi conceptuellement : qu’est-ce qu’un séminaire de sociologie   ? Et ainsi de suite. Ces modes de donation sont absolument fondamentaux, ils sont en eux-mêmes plus importants que ce qui se donne à nous à travers eux.

En poussant l’analyse je dirai que l’objet de la phénoménologie se situe au-delà de l’objet dans le comment de sa donation, c’est-à-dire au-delà de la façon dont il se donne à moi, par exemple cette table ici présente en tant qu’objet de perception dans l’espace. Plus radicalement, l’objet de la phénoménologie consiste à ne plus s’occuper des objets pour prendre uniquement en considération leurs modes de donation en tant qu’ils sont des modes de ce que l’on peut appeler l’apparaître pur. Indépendamment de tout ce qui apparaît, il y a en effet un apparaître pur qui en est la condition. L’objet de la phénoménologie est donc le mode de donation, c’est-à-dire le mode de monstration, de manifestation, de révélation - tous ces termes étant équivalents. On peut dire plus précisément que l’objet de la phénoménologie est la phénoménalité en tant que processus  , autrement dit la phénoménalisation de la phénoménalité, c’est-à-dire encore la façon dont la phénoménalité pure se phénoménalise, vient à se montrer effectivement. Mais alors, si l’objet de la phénoménologie est le mode de phénoménalisation des étants, cette question demeure formelle. Tant que l’on ne parle en effet que du mode de phénoménalisation en général, on ne dit pas encore en quoi consiste phénoménologiquement, dans un apparaître effectif, cette façon de se phénoménaliser. Et c’est pourtant ce qu’il faudrait dire.

Or, si l’on se réfère aux principes essentiels de la phénoménologie tels qu’ils ont été définis par Husserl, on s’aperçoit que ce mode de phénoménalisation de la phénoménalité, c’est-à-dire l’effectivité d’un apparaître, est resté dans une indétermination totale, qui en frappe au cœur les principes et exige que cette phénoménologie soit poussée plus avant.

[Excertos de HENRY, Michel. Auto-donation (AD). Entretiens et conférences. Paris: Prétentaine, 2002, p. 18-20]


Ver online : Michel Henry


[1Emmanuel Kant, Critique de la raison pure, Paris, PUF, 1993, p. 58 : « L’espace n’est rien autre chose que la forme de tous les phénomènes des sens extérieurs, c’est-à-dire la condition subjective de la sensibilité sous laquelle seule nous est possible une intuition extérieure ».

[2Edmund Husserl, Leçons pour une phénoménologie de la conscience intime du temps, Paris, PUF, 1964.

[3Ibid., p. 157.