Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Henry (GP:346-347) – o não-consciente, o inconsciente

quarta-feira 20 de dezembro de 2023

Todavia, para lá do que é consciente, e como seu princípio de explicação, a psicanálise estabelece o que já não o é, o não-consciente, o inconsciente. Tal como o de consciência também o conceito de inconsciente é equívoco, ôntico e ontológico ao mesmo tempo. No sentido ôntico, o inconsciente são as pulsões e seus representantes, as representações inconscientes com seus arranjos, os processos primários aos quais elas estão submetidas, a saber, os mecanismos de deslocamento, de condensação, de simbolização tais como os que estão na origem do sonho, dos lapsos, dos sintomas, são os conteúdos recalcados ou filogenéticos, toda uma parte de experiências infantis etc. Ora tais conteúdos só são inconscientes, subsumidos sob esse conceito, enquanto estão desprovidos do ser-consciente enquanto tal, da Bewuβtheit, estranhos à consciência no sentido ontológico.É inconsciente o que se situa fora do campo aberto pelo aparecer e está circunscrito por sua fenomenalidade. Enquanto o conceito de inconsciente, for entendido primeiramente em um sentindo ôntico, não pode, por isso tomar forma nem definir-se fora da sua relação com a consciência ontológica, ele próprio como ontológico.

O que significa o inconsciente no sentido ontológico? Tratar-se-á simplesmente de uma determinação puramente negativa, a saber, a determinação “ser-consciente enquanto tal”, “puro aparecer enquanto tal”, uma vez superada? Porque o simples fato de não ser consciente, de não aparecer, é uma determinação puramente negativa, porque quase nada nos [329] dá mostras de ser “rica de perspectivas”, compreende-se que Freud   o tenha excluído de sua investigação e, como seu tema, o tenha substituído pelos processos que dão conta efetivamente dos conteúdos conscienciais – do mesmo modo que esses conteúdos substituem pela simples qualidade de ser consciente a Bewuβtheit como tal, ela mesma formal   e vazia. Assim cumpre-se o deslizamento pelo qual a psicanálise se separa decididamente da filosofia ao mesmo tempo em que conquista o conceito de inconsciente que lhe é próprio: não mais a negação vazia da qualidade formal da Bewuβtheit, mas o conjunto dos processos por descobrir cuja totalidade coerente determina a psique humana e faz dela o que ela é, a saber, o inconsciente como sistema, “o sistema ics”. [1]] O que importa, afinal de contas, são esses conteúdos psíquicos enquanto se determinam uns aos outros, sendo apenas secundário o caráter segundo o qual são conscientes ou inconscientes, como, aliás, o afirma Freud: “A consciência ou a inconsciência de um processo psíquico
é apenas uma das propriedades desse…” [2].

[HENRY, Michel. Genealogia da Psicanálise. Tr. Rodrigo Vieira Marques. Curitiba: Editora UFPR, 2009]


Ver online : Michel Henry


[1Sistema inconsciente = sistema ics. [N. do T.

[2Introduction à la psychanalyse, op. cit., p. 275 ; GW, XI, p. 304.