Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Henry (E:7-9) – seres encarnados

segunda-feira 22 de junho de 2020

Carlos Nougué

[…] O que caracteriza os seres encarnados é que possuem um corpo. O universo inteiro é composto de corpos, considerados desde muito tempo pelo sentido comum como por inúmeros filósofos assim como pela totalidades de cientistas, como corpos materiais. O corpo que pertence aos seres vivos é o mesmo corpo material que se ocupa a física quântica, a qual serve de suporte a estas outras ciências duras que são a química e a biologia? Que muitos assim pensem em nossa época, que é precisamente aquela da ciência, não impede que um abismo separe desde sempre os corpos materiais que povoam o universo e de outro lado, o corpo de um ser "encarnado" tal qual o homem.

(…) cada homem e cada mulher, a cada instante de sua existência faz a experiência imediata de seu próprio corpo, experimenta a pena que lhe causa a subida desta ruela em declive ou prazer de uma bebida fresca no verão, ou ainda uma brisa leve na face — enquanto sua relação ao corpo animal é de uma outra ordem. A ponto que certos pensadores, e não poucos, consideraram todos os seres vivos outros que o homem como espécies de computadores que nada compreendem do que fazem. Quanto a apreender o corpo dos homens desta maneira, como um computador ele também, mais elaborado e de uma "geração" mais avançada, este pensamento mais e mais difundido s choca com uma objeção maior.

É aqui se abre o abismo. Um corpo inerte semelhante àqueles que se encontra no universo material — ou ainda que se pode construir utilizando processos materiais retirados deste, organizando-os e combinando-os segundo leis da física —, um tal corpo não sente nem experiencia nada. Não sente nem experiencia ele mesmo, não se ama nem se deseja. Ainda menos sente ou experiencia, ama ou deseja qualquer das coisas que o cercam. Segundo uma nota profunda de Heidegger, a mesa não "toca" a parede contra a qual é posta. O próprio de um corpo como o nosso, ao contrário, é que ele sente cada objeto próximo dele; percebe cada uma de suas qualidades, vê as cores, entende os sons, respira um odor, mede com o pé a dureza de um chão, com a mão a doçura de uma almofada. Só sente tudo isso, as qualidades de todos estes objetos que compõem seu ambiente, só experiencia o mundo que o pressiona de toda parte, porque se experiencia a si mesmo, no esforço que realiza para subir uma ruela, na impressão de prazer na qual se resume o frescor da água ou do vento.

Esta diferença entre os dois corpos que distinguimos — o nosso que se experiencia a si mesmo ao mesmo tempo que sente o que o cerca por um lado, e um corpo inerte do universo por outro, que se trate de uma pedra sobre o caminho ou partículas microfísicas que a constituem —, nós a fixamos agora em uma terminologia apropriada. Chamaremos "carne" o primeiro, reservando o uso da palavra corpo ao segundo. Pois nossa carne nada mais é que isso que se experienciando, se sofrendo, se submetendo e se suportando a si mesma e assim desfrutando de si segundo as impressões sempre renascente, se encontra, por esta razão, suscetível de sentir o corpo, que lhe exterior, de tocá-lo tanto quanto ser tocada por ele. Isso portanto cujo corpo exterior, o corpo inerte do universo material, é por princípio incapaz.

Original

[…] Ce qui caractérise des êtres incarnés, c’est qu’ils ont un corps. Seulement, l’univers entier est composé de corps, considérés depuis longtemps, par le sens commun comme par nombre de philosophes ainsi que la quasi-totalité des savants, comme des corps matériels. Le corps qui appartient aux êtres vivants est-il le même que le corps matériel dont s’occupe la physique quantique, laquelle sert de support à ces autres sciences dures que sont la chimie et la biologie   ? Que beaucoup de gens pensent ainsi à notre époque, qui est précisément celle de la science, n’empêche pas qu’un abîme sépare depuis toujours les corps matériels qui peuplent l’univers et, d’autre part, le corps d’un être « incarné » tel que l’homme.

[…] Car chacun, chaque homme et chaque femme, à chaque instant de son existence fait l’expérience immédiate de son propre corps, éprouve la peine que lui procure la montée de cette ruelle en pente ou le plaisir d’une boisson fraîche l’été, ou encore celui d’un vent léger sur le visage – tandis que son rapport au corps animal, à celui des infusoires, des crevettes ou des insectes, est d’un autre ordre. Au point que certains penseurs, et non des moindres, ont considéré tous ces êtres vivants autres que l’homme comme des sortes d’ordinateurs qui ne comprennent rien à ce qu’ils font. Quant à appréhender le corps des hommes de cette façon, comme un ordinateur lui aussi, plus élaboré et d’une « génération » plus avancée, cette pensée de plus en plus répandue se heurte à une objection majeure.

C’est ici que se creuse l’abîme. Un corps inerte semblable à ceux qu’on trouve dans l’univers matériel – ou encore qu’on peut construire en utilisant les processus   matériels arrachés à celui-ci, en les organisant et en les combinant selon les lois de la physique –, un tel corps ne sent et n’éprouve rien. Il ne se sent pas et ne s’éprouve pas lui-même, il ne s’aime ni ne se désire. Encore moins sent-il ou éprouve-t-il, aime-t-il ou désire-t-il aucune des choses qui l’entourent. Selon la remarque profonde de Heidegger, la table ne « touche » pas le mur contre lequel elle est placée. Le propre d’un corps comme le nôtre, au contraire, c’est qu’il sent chaque objet proche de lui ; il perçoit chacune de ses qualités, il voit les couleurs, entend les sons, respire une odeur, mesure du pied la dureté d’un sol, de la main la douceur d’une étoffe. Et il ne sent tout cela, les qualités de tous ces objets qui composent son environnement, il n’éprouve le monde qui le presse de toute part, que parce qu’il s’éprouve d’abord lui-même, dans l’effort qu’il accomplit pour gravir la ruelle, dans l’impression de plaisir en laquelle se résume la fraîcheur de l’eau ou du vent.

Cette différence entre les deux corps que nous venons de distinguer – le nôtre qui s’éprouve soi-même en même temps qu’il sent ce qui l’entoure d’une part, un corps inerte de l’univers d’autre part, qu’il s’agisse d’une pierre sur le chemin ou des particules micro-physiques censées la constituer –, nous la fixons dès maintenant dans une terminologie appropriée. Nous appellerons chair le premier, réservant l’usage du mot corps au second. Car notre chair n’est rien d’autre que cela qui, s’éprouvant, se souffrant, se subissant et se supportant soi-même et ainsi jouissant de soi selon des impressions toujours renaissantes, se trouve, pour cette raison, susceptible de sentir le corps qui lui est extérieur, de le toucher aussi bien que d’être touché par lui. Cela donc dont le corps extérieur, le corps inerte de l’univers matériel, est par principe incapable.


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