Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Gilbert: diferença ontológica

sexta-feira 2 de fevereiro de 2018

A PROBLEMÁTICA DA “diferença ontológica”, ou da diferença entre o ser e o ente, sempre caracterizou o discurso filosófico [1]. Ela, entretanto, foi tematizada recentemente por Heidegger em suas aulas intituladas Os problemas fundamentais da fenomenologia e Conceitos fundamentais, e aprofundada nas duas conferências que ele reuniu sob o título Identidade e diferença [2].

Descrita de um modo totalmente genérico [3], essa problemática considera que os entes (tudo aquilo que se apresenta em nossa experiência, as coisas sensíveis, nossas palavras, nossos signos, nossas ideias etc.), múltiplos e portanto distintos uns dos outros (diferença ôntica), remetem espontaneamente uns aos outros e se unificam em um princípio (esta página de [14] papel remete a um livro, a um cômodo no qual eu a leio; a operação aritmética de adição se une à da subtração etc.). Ora, o princípio que unifica todos os entes (sensíveis como uma folha de papel ou inteligíveis como um número) não é nada daquilo que ele unifica. O que faz parte de uma série não pode estar no princípio dessa série. O princípio, por natureza universal (o universal, que se diz de mais de um, unifica ou sintetiza vários), deve ser diferente daquilo que ele une, superior. Essa é a significação da palavra “diferença” na expressão “diferença ontológica”. Essa expressão significa mais precisamente, mediante a palavra “ontológica”, que o princípio superior, “diferente”, o mais universal de todos, é o ser (ontos é o genitivo do participio presente do verbo grego que significa “ser”) enquanto dito (logos  ) e não enquanto semelhante a um ente que estaria “aqui” ao modo de uma coisa já feita. A problemática da diferença ontológica reconhece, além disso, que todo ente “é”, e que por essa razão nenhum é o “mesmo” que um “outro”, que todos os entes semelhantes enquanto entes são também radicalmente diferentes, precisamente enquanto cada um é. A palavra mais universal, “ser”, indica o que pertence em comum a todos (não podemos conceber ou experimentar o que “é” concebível ou experimentável), mas isso de tal modo que nada possa ser confundido com um outro. O universal “ser” une tudo, mas assegurando a cada ente a sua irredutibilidade a qualquer outro ente. Desse modo, o tema da diferença ontológica está no âmago da meditação metafísica mais clássica.

Na literatura atual, essa problemática, originariamente a do uno e do múltiplo, foi frequentemente retomada e ampliada, tanto na Alemanha como na França e na Itália [4], mas também nos Estados Unidos, onde os escritos de Derrida  , emblemáticos desse tema, obtiveram um grande sucesso [5]. Ela se tornou uma passagem obrigatória para toda reflexão metafísica que não se contente apenas com a perspectiva analítica. Sua importância provém de uma expectativa ou de uma exigência de nossa época.


Ver online : ONTOLOGISCHE DIFFERENZ


[1“Se já a metafísica, ao longo de toda a sua história, fala do ser do ente que ela declina em seus diferentes casos em idea, energeia, actualitas, mônada, objetividade, espírito absoluto, saber absoluto, vontade de poder, de onde se determina então a essência desse ser?” (HEIDEGGER, M. De la compréhension du temps dans la phénoménologie et dans la pensée de la question de l’être, p. 193).

[2HEIDEGGER, M. Les problèmes fondamentaux de la phénoménologie·, Id., Concepts fondamentaux; Id., Identité et différence, sobretudo a primeira parte: “Le principe d’identité”. Ver a cronologia da meditação heideggeriana sobre a “diferença ontológica” em GREISCH, J. La parole heureuse. Martin Heidegger entre les choses et les mots (cap. 1: “Les destins de la différence”). Com efeito, a questão da “diferença” é a do “fundamento” (cf. PANIS, D. “La question de l’être comme fond abyssal d’après Heidegger”).

[3Cf. GARULLI,. E. “La ‘différence ontologica’”.

[4BEIERWALTES, W. Identität und Differenz zum Prinzip cusanischen Denkens; DERRIDA, J. “La différance”; DELEUZE, G. Différence et répétition; LYOTARD, J. F. Le différend; VATTIMO, G. Le awenture delia differenza; MELCHIORRE, V. (ed.). La differenza e l’origine. Sobre a origem da renovação da problemática da “diferença”, cf. HAAR, M. Nietzsche et la métaphysique.

[5Cf., por exemplo, GASCHÉ, R. The Tain of the Mirror, EVANS, J. C. Strategies of Deconstruction.