Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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GA19: verdade e ser-aí

domingo 23 de julho de 2017

Casanova

Antes de Aristóteles   enumerar os modos do άληθε  ύειν (des-velamento), ele diz: αληθεύει ή ψυχή   (a alma desvela). Portanto, com efeito, no sentido propriamente dito, a verdade é de qualquer modo uma determinação do ser do próprio ser-aí humano. Pois todo esforço do ser-aí em torno do conhecimento precisa se impor contra o encobrimento do ente, um encobrimento que é de três tipos: 1. Ignorância; 2. Opinião   dominante; 3. Erro. É o ser-aí humano, com isso, que é propriamente verdadeiro. Ele é na verdade — se traduzirmos ἀλήθεια   (desvelamento) por verdade. Ser verdadeiro, ser-na-verdade, como determinação do ser-aí significa: ter o respectivamente ente, com o qual o ser-aí costuma lidar, à disposição de maneira não encoberta. Aquilo que em Aristóteles é apreendido de maneira mais aguda já tinha sido visto por Platão  : ή επ ἀλήθειαν ορμωμένη ψυχή (cf. Sofista 228c lss.), [1] a alma se coloca por si mesma a caminho da verdade, do ente, na medida em que ele se acha desencoberto. Por outro lado, diz-se dos oi πολλοί (dos muitos): των πραγμάτων της ἀλήθεια άφεστωτας (as coisas lhes permanecem estranhas). A partir daí vemos que encontraremos em Platão a mesma orientação que em Aristóteles. Precisamos pressupor neles uma posição una em relação às questões fundamentais do ser-aí. Portanto, a alma, o ser do homem, considerada rigorosamente, é aquilo que é na verdade. [2]

Se permanecermos junto ao sentido de verdade como ser desencoberto, estar aberto, fica claro que verdade significa o mesmo que pertinência à coisa mesma, pertinência essa compreendida como um tal comportamento do ser-aí em relação ao mundo e a si mesmo, no qual o ente se acha presente segundo a coisa mesma. No sentido originário desse conceito de verdade, ainda não temos a objetividade como validade universal, como [24] imperatividade universal. Essa imperatividade não tem nada em comum com verdade. Algo pode ser universalmente válido e, de qualquer modo, não ser verdadeiro. A maioria dos preconceitos e das obviedades são tais validades universais, que se distinguem pelo fato de encobrir o ente. Inversamente, precisamente aquilo que não é compreensível para qualquer um, mas apenas para um singular, pode ser verdadeiro. Nesse conceito de verdade, por conseguinte, na verdade do desencobrir, ainda não se acha previamente julgado o fato de o desencobrir propriamente dito precisar ser necessariamente o conhecimento teórico ou uma determinada possibilidade do conhecimento teórico, por exemplo, a ciência ou mesmo a matemática; como se a matemática como a mais rigorosa de todas as ciências também fosse a mais verdadeira, e como se verdadeiro fosse apenas aquilo que equivaleria ao ideal   de evidência da matemática. A verdade, o desvelamento, o ser de-sencoberto, orienta-se (retifica-se) muito mais pelo ente mesmo, e não por um determinado conceito de cientificidade. É isso que reside na tendência do conceito grego de verdade. Por outro lado, precisamente essa interpretação grega da verdade levou a que se visse no conhecimento teórico o ideal propriamente dito de conhecimento e a que se orientasse (retificasse) todo conhecimento pelo conhecimento teórico. Como é que isso aconteceu é algo que não temos como acompanhar aqui mais detidamente; só queremos deixar claro para nós agora as raízes dessa possibilidade. (p. 23-24)

Rojcewicz & Schuwer

Before Aristotle enumerated the modes of άληθεύειν, he said: άληθεύει ή ψυχή. Truth is hence a character of beings, insofar as they are encountered; but in an authentic sense it is nevertheless a determination of the Being of human Dasein   itself. For all of Dasein’s strivings toward knowledge must maintain themselves against the concealedness of beings, which is of a threefold character: 1.) ignorance, 2.) prevailing opinion, 3.) error. Hence it is human Dasein that is properly true; it is in the truth — if we do translate ἀλήθεια as “truth.” To be true, to be in the truth, as a determination of Dasein, means: to have at its disposal, as unconcealed, the beings with which Dasein cultivates an association. What Aristotle conceives in a more precise way was already seen by Plato: ή έπ’ ἀλήθειαν όρμωμένη ψυχή (cf. Sophist 228c1f.), [3] the soul sets itself by itself on the way toward truth, toward beings insofar as they are unconcealed. On the other hand  , it is said of the oi πολλοί: των πραγμάτων της άληθεία  ς άφεστώτας (Sophist 234c4f.), “they are still far from the unconcealedness of things.” We see thereby that we will find in Plato the same orientation as Aristotle’s. We have to presuppose in them one and the same position with regard to the basic questions of Dasein. Hence the soul, the Being of man, is, taken strictly, what is in the truth. [4]

If we hold fast to the meaning of truth as unconcealedness or uncoveredness, [GA19  :23-25] [17] then it becomes clear that truth means the same as compliance [Sachlichkeit  ], understood as a comportment of Dasein to the world and to itself in which beings are present in conformity with the way they are [der Sache nach]. This is objectivity correctly understood. The original sense of this concept of truth does not   yet include objectivity as universal validity, universal binding force. That has nothing to do with truth. Something can very well have universal validity and be binding universally and still not be true. Most prejudices and things taken as obvious have such universal validity and yet are characterized by the fact that they distort beings. Conversely, something can indeed be true which is not binding for everyone but only for a single individual. At the same time, in this concept of truth, truth as uncovering, it is not yet prejudged that genuine uncovering has to be by necessity theoretical knowledge or a determinate possibility of theoretical knowledge — for example, science or mathematics, as if mathematics, as the most rigorous science, would be the most true, and only what approximates the ideal of evidence proper to mathematics would ultimately be true. Truth, unconcealedness, uncoveredness, conforms rather to beings themselves and not to a determinate concept of scientificity. That is the intention   of the Greek concept of truth. On the other hand, it is precisely this Greek interpretation   of truth which has led to the fact that the genuine ideal of knowledge appears in theoretical knowledge and that all knowledge receives its orientation from the theoretical. We cannot now pursue further how that came about; we merely wish to clarify the root of its possibility. (p. 16-17)


Ver online : ALETHEIA


[1Na medida em que as citações gregas, com base no estilo pedagógico das preleções de Heidegger, divergem do texto original, colocaremos as indicações das passagens entre parênteses com o adendo “cf”. (N.E.)

[2Ver anexo.

[3Hereafter, when the Greek quotations deviate from the original text, on account of Heidegger’s pedagogically oriented lecture style, the citation will be marked with a “cf."

[4See the appendix.