Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Gilvan Fogel (Nietzsche) – Vida em Nietzsche

sábado 25 de julho de 2020

Vida, desde O nascimento da tragédia, sempre ocupou o centro do pensamento de Nietzsche  . Vida, que em princípio não se refere a nenhum fenômeno da ordem do biológico, fala do que o grego, sob a designação de psyché  , de modo amplo e geral, caracterizou como movimento que, desde si mesmo, move a si mesmo. Assim também se assinala começo [arché], que não começa e não pode começar. Esta visão ou experiência caracteriza igualmente círculo, isto é, inserção. Inserção como estrutura de começo, de arché, de vida. Portanto, nada fora — além ou aquém. Princípio de si mesmo; princípio que não principia, começo que não começa. Então, irrupção súbita, gratuita, e isso, de novo, perfaz círculo, circularidade ou inserção.

Pois bem, essa estruturação ou fenômeno, que fala da experiência grega de arché, Nietzsche, mais ou menos a partir do Zaratustra, passa a denominar vontade de poder – Wille   zur Macht  . Esta noção, para Nietzsche, dá maior clareza, maior inteligibilidade à vida. Por que vontade? Por que poder? O que propriamente quer dizer isso?

Vontade, que não é nenhum poder da subjetividade humana, nada de decisão ou arbítrio de alguma faculdade subjetiva do homem, se refere, antes, à transcendência que caracteriza a inserção, que perfaz o círculo que é vida, que é arché. Assim, vontade fala da espontaneidade do irromper da vida, de seu livre movimento de autoexposição ou aparição. Espontaneamente, gratuitamente, vida é acontecimento de vir à luz, fazer-se visível e, assim, crescer, isto é, agravar-se, intensificar-se. E isso mesmo é poder, à medida que é realização e, então, assim, impõe-se, impera, vige e vale. É força — esta força — concretizada. Vida é vontade de poder, quer dizer, desde nada, a partir de nada, movimento livre (gratuito, sem porquê, sem causa) de, para [zur] aparição e, então, assim, imposição, vigência — poder. Vida, enquanto e como vontade de poder, é a fala do extraordinário, do milagre que o grego experimentou como o elementar de ser-aparecer. Sim, isto, a vida, é o elementar ou o elemento — o medium. A tendência, ou melhor, o espontâneo desse aparecer, portanto o próprio de vida e de vontade, é crescer. Não crescer no sentido somativo, aglutinante, avolumando-se e agigantando-se (engordando!), mas crescer como se agravar, se intensificar e, assim, de algum modo, ganhar clareza, nitidez e lucidez na sua própria história [Geschichte  ], isto é, no seu próprio destino ou envio histórico, pois é isso que, verdadeiramente e em última instância, está em questão. Então, nesse sentido, é envio, destino e crescimento, isto é, intensificação de poder. Esse crescimento, essa clareza ou evidência de destino ou de envio histórico pode e até precisa ser também o crescimento e a intensificação do obscuro, da sombra, do insondável. Portanto, nenhuma veleidade faustiana ou nada de vontade cartesiana de representação clara e distinta. Esse crescimento, essa intensificação própria de vida, de vida ascendente, se caracteriza por um fazer-se ou tomar-se cada vez mais econômico, mais simples, e isso se mostra exemplarmente na arte, na criação artística, enfim, na obra de arte.

[Excerto da apresentação de Gilvan Fogel   de NIETZSCHE, Friedrich. A Vontade de Poder. Tr. Marcos Sinésio Pereira Fernandes e Francisco José Dias de Moraes. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011, p. 10-12]


Ver online : Apresentação de "A Vontade de Poder"