Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Casanova (MH1:33-34) – Jemeinigkeit - “sempre a cada vez meu”

domingo 28 de maio de 2023

O ser do homem é marcado originariamente por uma ekstase   originária, por um movimento radical de exposição. Na medida em que se vê reduzido à sua dinâmica ekstática, o ser do homem perde toda e qualquer possibilidade de uma interpelação categorial. Como ele não possui nenhuma determinação previamente dada e constituída, mas se acha antes desde o princípio cindido de toda e qualquer determinação como tal, é preciso responder desde o início à pergunta “o que é o homem?” com a simples e singela afirmação: nada. Qualquer outra resposta implicaria uma negação da intencionalidade e a inserção uma vez mais da lógica das hipostasias teóricas em geral. Ser um nada de determinações, porém, traz consigo desde o princípio uma série de consequências. Como o homem é radicalmente intencionalidade, ele não possui nenhuma natureza, para a qual pudéssemos apelar de maneira normativa, o que equivale a dizer que o ser do homem é radicalmente constituído a princípio por negatividade, por indeterminação ontológica, por estrangeiridade [1]. Desprovido de toda e qualquer instinto, de todo e qualquer impulso, de toda e qualquer vontade originários, o ser-aí não encontra em si nenhuma direcionalidade estrutural, nenhum princípio de seleção de suas ações. Ao mesmo tempo, ele é radicalmente marcado por uma pobreza ontológica radical: ele não tem por natureza alma, não tem faculdades intelectivas, categorias puras e a priori   do entendimento, ideias da razão, imaginação, não tem corpo, sensibilidade, genoma, fenótipo, sinapses, não tem órgãos, fluxo sanguíneo, colesterol, triglicerídeos, não tem pertencimento social, não é gregário, não tem mãe, nem pai, nem família, não tem raça, sexo, credo, deus ou deuses, não tem… O que quer que possamos pensar como próprio ao homem, ele não tem. À pergunta sobre se alguma coisa específica dá conta de sua determinação quididativa não se pode responder senão negativamente. [33] Um ente negativo, um ente marcado por uma indeterminação ontológica originária, então, acaba se mostrando com um ente que não tem como ser abordado categorialmente, e, por conseguinte, que não pode ser conceptualizado, entendendo o conceito tal como tradicionalmente se o compreende: como nexo dos predicados presentes à vista que determinam em si o ser de algo. Ora, mas se não é possível alcançar um conceito de homem, o ser do homem precisa ser pensado como “sempre a cada vez meu”, ou seja, ele só pode ser concebido na chave singular. Dito de outro modo, o ser do homem é para cada homem uma tarefa, algo a ser conquistado propriamente, uma experiência de cada um. E as consequências não param por aí. [CASANOVA  , Marco Antonio. Mundo e historicidade. Leitura fenomenológica de Ser e tempo  . Volume um: existência e mundaneidade. Rio de Janeiro: Via Verita, 2017, p. 33-34]


Ver online : Marco Casanova


[1Como veremos mais à frente, é exatamente isso que a disposição fundamental da angústia revela para o ser-aí.