Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Carman (2003:101-102) – intencionalidade

domingo 10 de dezembro de 2023

destaque

Tenho argumentado que a teoria da intencionalidade de Husserl   é acrítica e incoerente, devido ao fato de não ter em conta as suas próprias condições hermenêuticas, ou seja, as condições que sustentam a sua própria inteligibilidade enquanto discurso filosófico. A analítica existencial de Heidegger, pelo contrário, oferece uma descrição das condições de interpretação de modo a estabelecer uma ontologia fundamental a partir da qual podemos compreender como é que a intencionalidade consegue ser inteligível para nós enquanto tal. A fenomenologia hermenêutica em Ser e Tempo  , portanto, assenta num repúdio radical da própria ideia de uma disciplina rigorosa de descrição pura e abraça, em vez disso, uma concepção descaradamente interpretativa da própria fenomenologia. A ontologia fundamental de Heidegger não pode, portanto, ser entendida de forma alguma como uma mera alteração ou continuação do programa husserliano, como alguns críticos, particularmente aqueles que simpatizam com os pontos de vista de Husserl, gostariam que fosse.

Husserl, contudo, não está de modo algum sozinho na sua negligência crítica das condições de inteligibilidade das suas próprias afirmações filosóficas. De fato, as teorias mais recentes da intencionalidade persistem num modo peculiarmente irrefletido, tanto metodológica como ontologicamente, e a analítica do Dasein   de Heidegger pode ser lida como uma chamada de atenção ampliada para as condições existenciais da inteligibilidade do próprio discurso filosófico e para as distinções que os filósofos habitualmente estabelecem entre subjetividade e objetividade, interno e externo, mente e mundo. As teorias contemporâneas da mente e da agência, em particular, tendem a deslizar acriticamente para uma de duas [102] posições dogmáticas, tomando um ou outro termo de tais distinções como primitivo e tentando depois construir ou explicar o outro com referência a ele. Para além de todos os problemas específicos com que essas teorias inevitavelmente se deparam, quero sugerir que as estratégias que lhes estão subjacentes assentam num erro mais fundamental, ou mais precisamente numa omissão fatal, ao tomar as próprias distinções conceituais como garantidas e ao ignorar as condições em que elas surgem de forma significativa no nosso entendimento filosófico. A analítica de Heidegger, sendo um relato geral das condições hermenêuticas, é simultaneamente um relato das condições de inteligibilidade filosófica, e introduz a sua noção de ser-no-mundo (In-der-Welt-sein  ) como um relato da existência humana antes da emergência de qualquer distinção entre o ponto de vista de um agente e fatos ou valores externos a ele, entre o interior e o exterior, entre a experiência subjetiva e a realidade objetiva.

original

Husserl’s theory of intentionality is uncritical and incoherent, I have argued, owing to its disregard of its own hermeneutic conditions, that is, the conditions underwriting its own intelligibility as philosophical discourse. Heidegger’s existential analytic, by contrast, offers an account of the conditions of interpretation   in order to set out a fundamental ontology from within which we can understand how intentionality manages to be intelligible to us at all as such. The hermeneutic phenomenology in Being and Time, then, rests on a radical repudiation of the very idea   of a rigorous discipline of pure description and embraces instead an unabashedly interpretive conception of phenomenology itself. Heidegger’s fundamental ontology can thus in no way be understood as a mere amendment or continuation of the Husserlian program, as some critics, particularly those who sympathize with Husserl’s views, would have it.

Husserl, however, is by no means alone in his critical neglect of the intelligibility conditions of his own philosophical claims. Indeed, more recent theories of intentionality persist in a peculiarly unreflective mode, both methodologically and ontologically, and Heidegger’s analytic of Dasein can be read as an extended reminder of the existential conditions of the intelligibility of philosophical discourse itself and the distinctions philosophers habitually draw between subjectivity and objectivity, internal and external, mind and world. Contemporary theories of mind and agency in particular tend to slide uncritically into one of two [102] dogmatic positions, taking one or the other term of such distinctions as primitive and then trying to construct or explain the other with reference to it. In addition to all the specific problems inevitably facing those theories, I want to suggest, the strategies underlying them rest on a more fundamental error, or more precisely a fatal omission, in taking the conceptual distinctions themselves for granted and ignoring the conditions in which they arise meaningfully in our philosophical understanding in the first place. Heidegger’s analytic, being a general account of hermeneutic conditions, is at once an account of the conditions of philosophical intelligibility, and he introduces his notion of being-in-the-world (In-der-Welt  -sein  ) as an account of human existence prior to the emergence of any distinction between an agent’s point of view and facts or values external to it, between the inner and the outer, between subjective experience and objective reality.

CARMAN  , Taylor. Heidegger’s analytic: interpretation, discourse, and authenticity in Being and time. Cambridge: Cambridge University Press, 2003


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