Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Boutot (IFH:98-100) – A técnica e a conclusão da metafísica

segunda-feira 29 de maio de 2017

Esta planificação em excesso, este dirigismo que reina sobre as regiões do ente, não quer dizer, contudo, que o homem seja o mestre ou mesmo o organizador deste processo de exploração planetária. Longe de estar nas mãos do homem, a técnica, enquanto ordenação, tem o homem em seu poder. «Em todos os domínios da existência», diz Heidegger, «o homem (encontra-se) cada vez mais cercado pelas forças dos aparelhos técnicos e dos autômatos. Há muito tempo que as potências que, em toda a parte e em qualquer momento, sob qualquer que seja a forma de utensílios, chamam a si e pressionam o homem, limitando-o e arrastando-o, desde há muito tempo, digo eu, que essas potências excederam a vontade e o controlo do homem porque elas não procedem dele» (Serenidade, Questions III, Paris, Gallimard, 1966, p. 173). O homem moderno é requerido por e para o desvelamento executante que o «intima a desvelar o real como fundo sob a modalidade do ’executar’ (A questão da técnica, op. cit., p. 32 ). Esta é a razão pela qual «a concepção puramente instrumental, puramente antropológica, se torna caduca dentro do seu princípio» e não poderia ser «completada por uma explicação metafísica ou religiosa que lhe seria puramente anexada» (ibid., p. 28). O homem não é o sujeito mas o «funcionário» da técnica. Os dirigentes, os tecnocratas, contra a arbitrariedade dos quais se tornou habitual indignarmo-nos, não são, eles próprios, senão os «operários do equipamento» necessários para pôr em segurança a totalidade do ente e que receberam poder de decisão para isso.

Dominando todos os sectores do ente, a técnica, enquanto ordenação, é «uma entrega do destino» (Ibid., p. 33), uma época da história do ser que corresponde ao início da conclusão da metafísica dos tempos modernos. «A técnica», diz Heidegger, «é ’a metafísica acabada’» (Superação da metafísica, op. cit., p. 92). A conclusão da metafísica não quer dizer a cessação, mas o esgotamento das suas possibilidades de essência. Heidegger forja, para caraterizar a essência do ser na época da técnica, o conceito de «vontade de vontade», que não é senão a figura última da vontade de poder de Nietzsche  . Por esta repetição, Heidegger quer mostrar que a vontade que rege a técnica moderna não tem outro objetivo senão ela própria. A «provocação» do ente não tem termo previsível nem finalidade assinalável. «A vontade de vontade nega todo o fim em si e não tolera nenhum fim a não ser como um meio, a fim de se vencer ela própria ao jogo, deliberadamente, e de organizar um espaço para esse jogo» (Ibid., p. 103). A vontade de vontade, enquanto vontade que se quer ela própria, impõe o cálculo e a organização de todas as coisas apenas «para se assegurar de si mesma de um modo que possa ser absolutamente continuado» (Superação da metafísica, op. cit. p. 92 ). A vontade de vontade, isto é, a exploração organizada do ente, move-se em círculo. O homem moderno acumula por acumular, produz por produzir, deposita por depositar, sem que essa acumulação, essa produção ou esse depósito sejam ditados por necessidades reais. A técnica suscita, ela própria, as necessidades que lhe vão permitir aumentar o seu domínio. Seria ilusório acreditar, em particular, que os avanços tecnológicos propiciam o surgimento de uma vida mais feliz sobre a Terra. Esta crença é, porém, cuidadosamente alimentada, pois ela permite prosseguir a exploração organizada do ente. «O homem é querido pela vontade de vontade, sem que ele tenha conhecimento do ser deste querer» (Ibid., p. 103). Ao serviço da técnica, e requerido pela ordenação, o homem quer de maneira uniforme por ser verdade que a vontade de vontade só admite uma direção na qual se possa querer. Daí «a uniformidade do mundo da vontade de vontade» (Ibid., p. 103), que é tal que um «homem sem uniforme», diz Heidegger, «hoje, dê já uma impressão de irrealidade, como se fosse um corpo estranho ao nosso mundo» (Ibid., p. 112). (1993, p. 98-100)


Ver online : Alain Boutot