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Romano (1999:7-8) – qual a fenomenalidade do evento?
segunda-feira 16 de setembro de 2024
Pensar o evento antes de qualquer coisa: esse não é um desafio impossível? Porque assim que tentamos compreender o evento enquanto ele acontece, somos quase imediatamente absorvidos por outra coisa, pelas próprias "coisas", congeladas diante de nossos olhos por um olhar semelhante ao de Medusa. Dizemos: "É noite", e imediatamente nos perguntamos: "O que é noite?", gostaríamos de encontrar uma causa para esse evento, ou seja, ligá-lo a alguma coisa. Causa e "arqui-coisa" (Ursache) dizendo o mesmo. Dizemos, com toda a inocência: "está chovendo", e imediatamente queremos entender que "coisa" é a chuva, que coisa difusa e impalpável, obscuramente presente e pressagiosa, sem limites atribuíveis e sem lugar. Vemos o relâmpago e nos perguntamos: "O que é ’isso’, o relâmpago, que brilha assim?", e encontramos uma causa para isso que chamamos de "fogo" ou "relâmpago" ou "eletricidade". Dizemos que a noite embalsama e gostaríamos de saber o que essas palavras, jogadas por aí às cegas, nomeiam ou designam adequadamente, e pensamos que a noite é uma certa privação de luz, e que embalsamar designa um fenômeno sensível e olfativo — e tomamos como sinônimo: "a noite é toda cheia de cheiros", como se essas ainda fossem coisas, causas, e não vemos o que assim acontece, ocorre ou surge: o evento neutro de "está chovendo", "é noite", "embalsama-se".
Mas se olharmos para o evento de uma maneira diferente, veremos algo bem diferente. Não há nada aqui que se interponha entre ele e nosso olhar, mas essa epifania que antecipa tudo, linguisticamente traduzida por um verbo, na maioria das vezes na forma neutra — "está chovendo", "está escuro" — ou na forma pessoal: "a tempestade está caindo", "o sol está brilhando", a lua "iluminada" (Rimbaud). Ação sem agente, pura eficácia, mudança sem algo que mude, puro lampejo de um tempo sem duração que ressoa no verbo do qual o próprio substantivo parece, por sua vez, ser derivado, sendo "lua" nada mais do que aquilo que ilumina, "sol" a causa subestantivizada de uma eficácia neutra: a luz do sol.
Mas qual é exatamente a fenomenalidade do evento, como ele se manifesta antes de qualquer outra coisa? Como pode ser descrita em uma linguagem livre de pressuposições metafísicas? Será que essa tarefa é possível? Pois a distinção gramatical com a qual começamos, a do verbo e do substantivo, imediatamente se mostra difícil de lidar: afinal, todo verbo não se refere a um substantivo? Compreender o evento em si não significaria liberar a verbalidade do verbo de qualquer substantivo e pensar sobre a essência do substantivo com base na verbalidade do verbo? A verbalidade do verbo então absorveria o substantivo, duplicando-se no substantivo até o ponto da tautologia: o sol brilha, a lua ’ilumina’…?
[ROMANO , Claude. L’événement et le monde. Paris: PUF, 1999]
Ver online : CLAUDE ROMANO