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Romano (1999:165-166) – luto como uma amputação
sábado 21 de setembro de 2024
Essa morte para os outros como morte para si mesmo (luto), para aquele "mesmo" de singularidade que era tal apenas a partir do acontecimento impessoal do encontro em que os outros se manifestam pela primeira vez; o autor [Marcel Proust] de La Recherche compara esse desfecho, no sentido literal, das eventualidades que se entrelaçam para articular nossa aventura comum, à dor que os amputados sentem em seu "membro fantasma"; na ocasião de um belo dia ensolarado, propício para uma caminhada, surge a ideia de que Albertine sem dúvida teria ido a Touraine para um passeio de bicicleta: "Mas, como acontece com os amputados, a menor mudança no clima renovava minha dor no membro que não existia mais" [1]: a perda do amado é tanto uma perda de mim mesmo que pode ser comparada aqui a um seccionamento de minha carne; mas se a dor dos amputados ainda é "localizável" — precisamente no "membro fantasma" -, o sofrimento do amor não é. É essa dor onipresente e onipresente, que nunca é tão intensa quanto é por causa dos detalhes minuciosos — objetos que um dia pertenceram a ela, frases que ela costumava usar etc. — que estão neste mundo como o "membro fantasma". — Detalhes nos quais o mundo antigo de repente brilha intensamente, como se fôssemos transportados de volta a ele. Aqui, como no caso da ferida do amputado, é uma ferida da qual não há "cura", se "cura" significa a restauração da integridade corporal: uma ferida única e irremediável, produzida em nós pela perda do único e disto que, de nós, para ela, era único, ou melhor, de "aquele" (o "quem" da singularidade) que ela amava, e que existia como tal apenas para ela, nessa "relação" de amor absolutamente singular e singularmente absoluta. Nada pode, de fato, curar a perda daquilo que não pode, de forma alguma, ser substituído. Em uma mesma eventualidade, várias feridas podem coexistir, correspondendo a lutos sucessivos, mortes sucessivas para outros e, consequentemente, para si mesmo [2].
[ROMANO , Claude. L’événement et le monde. Paris: PUF, 1999]
Ver online : CLAUDE ROMANO
[1] Proust, Albertine disparue, in A La recherche du temps perdu, Paris, Gallimard, Bibl. de la Pléiade, tome IV, p. 73
[2] Nós não nos curamos do luto, no máximo sobrevivemos a ele. Sobrevivemos ao luto na medida em que o transformamos em nosso próprio luto. A psiquiatria fenomenológica, por outro lado, descreve as possibilidades da aventura humana em que o melancólico, incapaz de sofrer, despossuído de sua tristeza, é literalmente assombrado por um luto que não é seu: "O mal do melancólico consiste precisamente em ’não ser capaz de ficar triste’ (W. Schulte). O melancólico só pode sofrer sob a obsessão de um luto que não é seu" (H. Tellenbach, La mélancolie, PUF, 1979, p. 51). Mas sobreviver ao luto — uma "sobrevivência" que é uma "vida" real, não a vida do condenado em formação — nunca é abolir a lacuna no mundo na qual a perda do outro nos mergulha, engolindo nossos compossíveis. A ideia freudiana do "trabalho de luto" pelo qual, por meio da introjeção e da idealização, o ego "salvaria" a si mesmo ao desinvestir o "objeto", a ideia de um trabalho do negativo segundo o qual essa lacuna seria então preenchida, por meio de uma espécie de Aufhebung dialética — parecem rigorosamente insuficientes aqui; nunca há um retorno ao status quo ante. Pois o acontecimento é precisamente o que torna esse retorno ao status quo ante principalmente impossível. É o acontecimento em si e sua temporalidade que uma economia de impulsos nunca pode explicar