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Romano (1999:163) – não se aprende com a morte de outro?
sábado 21 de setembro de 2024
Portanto, é errado afirmar, como faz Heidegger, que a morte de outro não ensina nada ao Dasein sobre sua própria morte [1]; ao contrário, o oposto é verdadeiro: na provação do luto, morrer para… outro, parece indissociável de uma morte para… e de mim mesmo; o colapso daquelas possibilidades que eram minhas, que só eram possíveis para eu "existir" em vista do outro e pela graça de sua presença. O luto só pode ser esse acontecimento para os sobreviventes porque a morte do outro reconfigura todas as minhas próprias possibilidades, o que implica que minhas próprias possibilidades nunca são separáveis daquelas dos entes que estou lamentando. É por isso que a separação do amor, na qual o outro não morre de fato, mas está "como morto" para nós, tem todas as características essenciais do luto como separação absoluta. O fato de o luto, como acontecimento, poder ser estendido a esse último caso não indica, de forma alguma, um uso "metafórico" do termo; pelo contrário, é tudo "metáfora" e "metaforicidade" linguística que se baseia em uma eventual semelhança de significado entre esses dois fenômenos. Quando falamos de luto ou de "amores mortos" (Baudelaire), não estamos transferindo metaforicamente para um novo "domínio" um significado extraído em sua fonte do fenômeno da morte de outra pessoa: em ambos os casos, ao contrário, o que está em jogo é precisamente uma separação absoluta, na qual o que se perde é precisamente o que tornou o outro único para nós e nossa história incomparável. São as possibilidades que ela ocultava, nossos compossíveis, que articulavam nossa aventura e lhe davam sua forma singular. O luto é este rompimento de nossas possibilidades desemparelhadas.
[ROMANO , Claude. L’événement et le monde. Paris: PUF, 1999]
Ver online : CLAUDE ROMANO
[1] Sobre essas reservas em relação à análise heideggeriana do luto, veja nosso texto: "Mourir à autrui", em Critique, n° 582, novembro de 1995.