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GA89 (2021:804-805) – analítica existencial
domingo 18 de fevereiro de 2024
Nós permanecemos junto à explicitação do Dasein, dito de maneira mais clara, junto à questão sobre por que em Ser e tempo se fala de Dasein e não simplesmente de ser humano. A razão para isso reside no fato de que em Ser e tempo a questão do ser determina tudo, isto é, a questão acerca de em que medida ser (presentidade) tem sua manifestabilidade no tempo.
Na medida em que, contudo, o ser humano só pode ser um ser humano, porquanto ele compreende ser, isto é, porquanto ele se encontra na abertura do ser, o ser humano enquanto tal é caracterizado pelo fato de ser dessa maneira essa abertura mesma. O tempo a ser determinado com vistas à questão do ser não tem como ser compreendido com o conceito tradicional de tempo, tal como o desdobrou Aristóteles no quarto livro de sua Física de maneira normativa. Na filosofia, desde Aristóteles , o tempo é compreendido a partir do tempo no sentido da presentidade do agora e não o ser a partir do tempo.
Portanto, pergunta-se: em que se fundamenta a possibilidade de que o ser humano seja interpelado pelo ser, isto é, em que reside o fato de o ser mesmo poder se tornar manifesto para o ser humano no sentido de presentidade? Manifestabilidade do ser para o ser humano não significa, contudo, de maneira alguma já que o ser enquanto tal ou mesmo sua manifestabilidade seria expressamente apreensível pelo ser humano e pelo pensar da filosofia de maneira temática.
Bem, mas agora se impõe a questão: como é que o ser humano precisa ser estabelecido, para que a determinação do ser humano corresponda ao fenômeno fundamental da manifestabilidade do ser? De onde vem a visão de que o ser humano mesmo se encontra nesta clareira do ser, isto é, que o ser do aí é ekstático, que o ser humano existe enquanto Dasein? A interpretação das estruturas centrais, que constituem o ser assim estabelecido do aí, a saber, seu existir, é a analítica existencial do Dasein. Existencial é usado para distinguir de categorial. Categoria visa no uso atual uma clasa se ou um grupo, no qual determinadas coisas caem. Diz-se, por exemplo: ele cai nesta ou naquela categoria. Categoria vem do verbo grego άγοπεύειν e isso significa falar publicamente no mercado (άγορά), em particular nos processos judiciais. A proposição κατά diz: de cima para baixo em direção a algo; ela significa o mesmo que o nosso “sobre”; [804] enunciar algo sobre algo; no caso particular do processo judicial público, em meio à acusação, dizer algo ao acusado “face a face”. De acordo com isso, κατηγορία significa propriamente enunciado. Em Aristóteles , κατηγορία recebe o significado de que elas visam aquelas determinações, que pertencem ao enunciado enquanto tal. Ao enunciado pertence algo sobre o que eu enuncio algo, o sujeito proposicional. Àquilo que é enunciado sobre ο ὑποκείμενον é o predicado. No enunciado, por exemplo, eu digo: algo é constituído de tal e tal modo; constituição é a categoria da qualidade. Algo é de tal e tal modo grande ou largo. O quanto enquanto tal denomina a categoria da quantidade. A indicação do número das categorias oscila em Aristóteles . Em todos os casos, essas categorias não são como em Kant meras determinações da faculdade do entendimento, mas caracteres do ser do ente enquanto tal. O mesmo vale naturalmente também para Kant , só que, para Kant , a presentidade do que se presenta assumiu o sentido de objetidade do objeto.
Em Ser e tempo , eu procuro trazer à tona os caracteres ontológicos específicos do Dasein enquanto Dasein em face dos caracteres ontológicos do ente que não é consonante com o Dasein, da natureza, por exemplo, e os denominei, por isso, existenciários. A analítica existencial do Dasein enquanto existencial, falando de maneira completamente formal, é um tipo de ontologia. Na medida em que ela é, então, aquela ontologia, que prepara a questão fundamental acerca do ser enquanto ser, ela é uma ontologia fundamental. A partir daqui fica uma vez mais claro que má interpretação se faz presente, quando se compreende Ser e tempo como uma antropologia.
[HEIDEGGER, Martin. Seminários de Zollikon. Organizado por Peter Trawny . Traduzido por Marco Casanova . Rio de Janeiro: Via Verita, 2021]
Ver online : Zollikoner Seminare [GA89]