Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Figal (2007:35-36) – compreensão enquanto "comportar-se em relação a…"

domingo 7 de janeiro de 2024

Casanova

[…] uma situação paradoxal surge a partir da concepção heideggeriana   da compreensão: nunca antes o conceito de compreensão foi filosoficamente tão central, pois nunca antes lhe foi atribuída uma significação ontológica e até mesmo “ontológíco-fundamental”; a autocompreensão do ser-aí se transforma aqui no ponto crucial para a compreensão de ser em geral. Este emprego do conceito, [117] porém, é feito às custas de seu sentido cotidiano, e, com isto, também de sua inteligibilidade: se não compreendemos senão a nós mesmos e se, na medida em que somos, já sempre compreendemos, então não há nada a compreender [1]. A autocompreensão não é central, principalmente se ela é considerada no sentido do conceito de compreensão que pode ser empregue cotidianamente. Neste caso, ele se mostra como um caso particular da compreensão de algo alheio. Nós precisamos ter nos tornado estranhos para nós mesmos, para que a tentativa de nos compreender, ou seja, de compreender um estágio anterior ou um outro aspecto de nossa própria vida, possa ser empreendida. Em contrapartida, em meio à familiaridade da própria vida, nós não precisamos nos compreender. Nesta medida, Dilthey   tem razão ao não se dispor a designar “a apreensão de estados próprios […] como compreensão senão em sentido impróprio” [2].

Portanto, é importante conceber a compreensão uma vez mais a partir daquele “comportar-se em relação a…”, que Heidegger tinha rejeitado. Mesmo no poder, nós nos comportamos em relação a algo; ele sempre se mostra como algo que compreendemos como funciona (algo de que entendemos), e, correspondentemente, o fato de o sucesso pertencer à essência da compreensão fica tanto mais claro quanto mais claramente o “algo” em relação ao qual nós nos comportamos é reconhecido como algo que distinguimos de nós mesmos. Ao menos em um primeiro momento, isto nos leva de volta a Dilthey  . A partir de suas reflexões sobre a compreensão da “vida psíquica” alheia é possível clarificar como o sentido de êxito da compreensão precisa ser concebido.

Theodore George

[…] a paradoxical situation arises with Heideggers conception of understanding: Never before has the concept been philosophically so central, for never before has ontological and indeed “fundamental ontological” meaning been conferred to it; the self-understanding of Dasein here becomes the crux of the understanding of being in general. However, the revaluation of the concept comes at the price of its everyday sense and, because of this, its intelligibility: If one understands oneself alone, and, insofar as one is, has always already understood oneself, then there is nothing more to understand. Selfunderstanding is not central, and certainly not, if it is taken in the sense of the concept of understanding used in the everyday. In this case, it proves to be a special case of the understanding of the alien. One must have become alien to oneself before the attempt to understand oneself—that is, an earlier stage or a different aspect of one’s own life—can be undertaken. In the familiarity of one’s own life, by contrast, one does not have to understand oneself. In this respect, Dilthey   is right when he wants to signify “the comprehension of one’s own circumstances … only in an improper sense as understanding.”

It is necessary, then, once again to conceive of understanding on the basis of that “conducting oneself toward …” which Heidegger had reproached. Even in ability, one conducts himself toward something; there is always something that one understands how to do, and, accordingly, the success belonging to the essence of understanding becomes all the clearer the more clearly the “something,” toward which one conducts himself, is recognizable as something different from himself. This traces back, initially at least, to Dilthey  . Based on his considerations of understanding the alien “inner life,” it may be made clear how the sense of success of understanding is to be grasped more precisely.


Ver online : Günter Figal


[1Estou retomando aqui uma critica que, seguindo ainda outros pressupostos, eu apresentei em meu artigo “Selbstverstehen in instabiler Freiheit. Die hermeneutische Position Martin Heideggers (Autocompreensão em uma liberdade instável. A posição hermenêutica de Martin Heidegger)”, uma das teses do artigo era que Heidegger dá “ao conceito de ‘compreensão’ que é central para a hermenêutica uma virada anti-hermenêutica” (Günter Figal, Selbstverstehen in instabiler Freiheit. Die hermeneutische Position Martin Heideggers, in: Hendrik Birus [org.], Hermeneutische Positionen. Schleiermacher — Dilthey — Heidegger — Gadamer, Göttingen, 1982, p. 89-119, aqui p. 91).

[2Dilthey, Die Entstehung der Hermeneutik (O surgimento da hermenêutica); GS V, p. 318. Cf também Dilthey, A construção do mundo histórico nas ciências humanas, GS VII, p. 86-87.