Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Escudero (2016:§43) – a questão do “mundo externo”

domingo 25 de março de 2018

Até que ponto a existência do “mundo externo” pode ser conhecida e demonstrada? O que significa “realidade”? Na visão de Heidegger, esse é um falso problema. Qualquer acesso a um ser real é ontologicamente fundado na constituição fundamental do Dasein: seu ser-no-mundo. A própria colocação da questão do “mundo externo” é absurda (cf. GA 20: 299) e trai o fato de que o fenômeno do mundo foi negligenciado (cf. SuZ  : 269 / SyT: 224). O Dasein não acessa a exterioridade do mundo a partir da esfera interna da consciência. O Dasein não é uma mônada Leibniziana com portas e janelas para o mundo. O Dasein não precisa de portas e janelas de acesso ao mundo, pois já está primariamente no mundo.

Um dos principais problemas da filosofia moderna é que ela concebe os entes como reais. Quando pensamos no ser dos entes em termos de realidade, reduzimos o mundo a um conjunto de coisas independentes (res). A atitude de teorização característica da teoria do conhecimento reduz o mundo a um conjunto de objetos que estão presentes apenas para o sujeito que os observa e representa. Essa maneira de ver o ser dos entes pode ser válida para a ciência, mas não esgota a multiplicidade de maneiras pelas quais os entes são dados. Nesse sentido, a realidade (Realität) é apenas um modo de ser entre outros. Heidegger argumenta que a descoberta de entes é tão fundamental para a existência humana que é anterior a qualquer coisa que possa ser provada ou negada. Como será explicado no comentário do parágrafo 44, negar a abertura do Dasein é negar seu próprio ser, significa cometer um ato de suicídio (cf. SuZ  : 303 / SyT: 248).

Todas as tentativas de provar a existência do “mundo externo” partem da falsa suposição de um sujeito isolado.

Acreditar, com razão ou sem ela, na realidade do “mundo externo”, demonstrar, satisfatoriamente ou não, essa realidade, supô-la, explicitamente ou não, todas essas tentativas, incapazes de se apoderar do terreno em que se movem, supõem um sujeito antes de tudo sem mundo ou, o que é o mesmo, um sujeito inseguro de seu mundo, e que, no fim das contas, precisaria primeiro ter certeza de um mundo. (SuZ  : 273 / SyT: 227).

O problema não é provar que e como o mundo externo “existe”, mas por que o Dasein tem a tendência de começar com uma teoria do conhecimento, na qual o “mundo externo” é enterrado no nada e depois ressuscitado por demonstrações. Essa abordagem é ontologicamente inadequada.

A dicotomia tradicional entre idealismo e realismo deve ser superada. O realismo — que afirma uma realidade independente da consciência — corre o risco de reduzir a realidade à mera presença, enquanto o idealismo — que insiste que o ser e a verdade estão apenas na consciência — esquece de questionar o próprio ser da consciência. A realidade, por outro lado, não é explicada por entes. O ser não é um ente: nem real nem ideal. A diferença ontológica supõe uma superação do debate entre idealismo e realismo.


Ver online : Jesús Adrián Escudero