1. O problema da hermenêutica é o problema da compreensão. Mas o que significa "compreensão"? Para um primeiro esclarecimento, ainda provisório, remontemos à história da palavra e do conceito.
"Compreensão "vem de "compreender", que quer dizer "tomar junto", "abranger com", entendido evidentemente aqui no sentido teórico e não material. Assim é que se diz: compreendo o que dizes, compreendo esta língua ou este livro, compreendo este cálculo ou estas ideias, compreendo neste enunciado o que se quer dizer e aquilo do que se trata. Toda compreensão é apreensão de um sentido".
O verbo "compreender" e o substantivo "compreensão" referem-se à clássica dualidade de ratio e intellectus, mas a distinção tornou-se obscura em alemão, porque enquanto "compreensão" (Verstand) correspondia mais a ratio, o verbo "compreender" (verstehen) significa antes uma intuição (a Vernunft) ou seja, o intellectus. É neste último sentido que se toma a palavra alemã (i e, como Verstehen e não Verstand) nas ciências históricas e do espírito, bem como na hermenêutica em geral.
2. Nas línguas latinas a evolução foi mais normal, pois os dois conceitos, razão e intelecto, atravessam a história do pensamento (até mesmo germânico) e revelam um fenômeno fundamental da experiência humana. Esse dualismo já se encontra inicialmente em Platão e Aristóteles , que nesse sentido estabelecem a distinção entre dianoia e nous, traduzida em latim medieval por ratio e intellectus. Em Tomás de Aquino , ratio passa a significar a capacidade do pensamento conceptualmente discursivo, ou seja, do pensamento racional no sentido mais estrito de mediação e conclusões, enquanto que intellectus é a capacidade mais elevada de percepção espiritual imediata, a capacidade de intuir o imediatamente dado, o ser, as leis do ser e os conteúdos da essência. Mas os dois elementos, em última análise, não se opõem, antes pertencem ao mesmo todo e relacionam-se mutuamente, já que a imediaticidade do intelecto, pela mediação da razão, deve chegar à expressividade conceptualmente articulada e diferenciada. Assim, conforme S. Tomás, a ratio se refere à multiplicidade, e daí procura chegar sinteticamente à unidade do conhecimento. O intellectus, ao contrário, apreende imediatamente a unidade e totalidade, na qual a multiplicidade está contida e a partir da qual deve ser desdobrada analiticamente. A mesma dualidade é retomada por Nicolau de Cusa, significando ratio a razão que distingue, forma conceitos, delimita e separa as coisas, e, logo, está ordenada ao limitado, mensurável e numerável, ao passo que intellectus é a faculdade de percepção espiritual imediata, ordenada não mais aos opostos, mas à unidade, não mais ao finito, mas ao infinito, e que não mais conhece por mediação conceptual, mas supra-conceitualmente, de um modo imediato.
No racionalismo, desde Descartes , o conhecimento racional se restringe à simples ratio no sentido do pensamento conceptual lógico-matemático, suprimindo-se, portanto, a diferença entre razão e intellecto, reduzidos ambos à razão. O puramente racional é posto de modo absoluto: perde assim seu fundamento na percepção do ser pelo intelecto. O desaparecimento da distinção exprime-se desde Christian Wolff no racionalismo escolar alemão mediante o emprego da palavra Vernunft (que seria intelecto) quase sempre na acepção de ratio, não mais, portanto, como visão intelectual, mas como pensamento racional-conceptual. Justamente, porém, em oposição a Descartes surge de novo, já em Pascal , a diferença, com a qual ele quer estourar e vencer a restrição racionalista. Contra o esprit de géométrie há, mais alto, o esprit de finesse. O nível da pura "razão" (raison) é sobrepujado por aquilo que Pascal denomina "inteligência" (intelligence) ou "coração" (coeur), como em sua célebre sentença: "Le coeur a ses raisons que la raison ne connait point" ("O coração tem suas razões que a razão desconhece"). "Inteligência" e "coração" significam aqui, por oposição ao pensamento racional-matemático, não apenas um sentimento irracional, mas uma faculdade mais elevada e mais fina de sensação intuitiva e de empatia compreensiva, da qual participam também sem dúvida forças emocionais do sentimento e do amor, mas que — na unidade de todas as forças — forma a mais alta faculdade de conhecimento espiritual. Somente a ela se abre a plenitude do sentido da realidade em sua profundidade e riqueza.
A mesma distinção atua ainda na filosofia moderna, adquirindo em Kant e Hegel , por exemplo, um novo significado. Embora o entendimento (Verstand, que seria propriamente a razão) e a razão (Vernunft, que devia ser o intelecto) sejam às vezes definidos diferentemente, quase sempre são tomados no sentido de que Verstand (entendimento) é a faculdade inferior do conhecimento objetivo e pensamento categorial, sendo, por conseguinte, destinado às coisas finitas, conceptualmente apreensíveis e limitáveis, enquanto que a Vernunft (razão significa uma faculdade superior, que capta uma unidade não-objetiva e super-conceitual. Assim, em Kant a razão torna-se o lugar das ideias transcendentais, isto é, a faculdade de pensar, fora do domínio da experiência, totalidades últimas, metafisicamente apreensíveis — o mundo, a alma, Deus — embora não como coisas reais. Em Hegel , por sua vez, ergue-se sobre o "abstrato Verstand", que limita e separa por oposições os conteúdos individuais finitos, a "Vernunft especulativa", que alcança a unidade dialética de todas as oposições, na qual o próprio absoluto se manifesta e se abre pela primeira vez a inteira verdade das coisas.