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Carneiro Leão (1977:19-20) – impossibilidade de investigação científica da ciência
segunda-feira 18 de novembro de 2024
A primeira divergência, que opõe filosofia e ciência, diz respeito à essencialização de ambas. Como quer que se relacione com a existência humana, a filosofia nunca, e isso em razão de sua própria essência, é segura de si mesma, [19] como a ciência. Embora conheça em seus fundamentos crises de crescimento, o movimento da ciência é sempre linear e contínuo: as conquistas das gerações passadas se conservam e completam nas novas conquistas. Uma ciência pode ser cega para seus fundamentos de possibilidade, sua transparência reflexa pode esquivar-se em princípio a seus processos de investigação, de uma coisa, porém, ela tem sempre certeza; de seu objeto. A ciência sempre se reconhece como ciência. Ela duvida de mil coisas, só não de si mesma. É que, como tal, a ciência nunca é objeto de investigação científica. Quando um físico investiga o que é a física, não empreende uma investigação física. Se é, como pró-físico ou como metafísico, não interessa discutir agora, em todo caso não é como físico, que pergunta pela essência da física. Pois em sua essência a física não é uma coisa, que se possa observar num espectroscópio de massa ou experimentar num bico de Busen ou calcular com equações maxwellianas. Do mesmo modo, num electroencefalograma ou numa mielografia o neurologista pode encontrar um foco epilético ou um carcionoma medular, nunca, porém, a medicina, como ciência. Assim, a impossibilidade de uma investigação científica da ciência, como tal, é condição de possibilidade de toda ciência.
[CARNEIRO LEÃO, Emmanuel, Aprendendo a pensar. Volume I. Petrópolis: Vozes, 1977]
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