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Araújo de Oliveira (1996:213-214) – pluridimensionalidade da linguagem
quinta-feira 8 de fevereiro de 2024
Tanto a ontologia, como a lógica tradicional aparecem questionáveis a partir da hermenêutica do eis-aí-ser. A lógica ocidental revela-se como algo secundário em relação à experiência originária da verdade do ser no “logos” do eis-aí-ser, pois parte da diferença do dizer e do ser [1] do “logos” (sentença) e do presente (Das Vorliegende), sem ser mais capaz de tematizar o evento do desvelamento do ser por meio da linguagem. A linguagem emerge como a articulação da abertura originária do ser-no-mundo.
Aqui reaparece a pluridimensionalidade da linguagem: por um lado compete à linguagem revelar o ente em sua verdade e exprimi-la na palavra. No entanto, o que se revela nunca é só um ente: no dizer o ente transcendemos o ente na direção do ser [2] o sentido-fundamento que possibilita a revelação dos entes [3]. Então, é por meio da palavra que se realiza o evento do desvelamento. Assim, é na força da palavra que o homem, ser histórico, vem ao ser. Heidegger chama esse evento de relação hermenêutica entre o homem e o ser. A consideração dessa problemática significa, em Heidegger, o pôr o alicerce para a construção de um novo paradigma: a ontologia hermenêutica é um retorno ao evento do desvelamento que é também, ao mesmo tempo, ocultamento (essa é a aporia originária do ser enquanto evento de desvelamento) (Entbergen) e ocultamento (Verbergen) enquanto temporalização do ser. [213]
Ora, a linguagem, enquanto articulação da compreensão originária se situa na esfera do desvelamento [4]. Isso nos permite apontar para um dizer que é mais originário do que a objetividade que ocorre na sentença.
A verdade que se mostra movimenta-se na direção da obra, como diz Heidegger nos Holzwege (pp. 49ss.) e, nesse contexto, obra significa a obra da palavra.
Isso nos permite apontar para um dizer que é mais originário do que a objetividade ocorrida na sentença. Nessa perspectiva, Heidegger pode dizer que a sentença é somente uma formalização secundária, precisamente formalização do falar temporal originário. Toda a metafísica ocidental se orienta na sentença e, com isso, se fez incapaz de detectar a verdadeira essência da linguagem. A dimensão da sentença é uma dimensão válida —, é nela, por exemplo, que se situam as ciências —, mas não constitui a dimensão mais radical da linguagem que é atingível não por meio do método científico, mas pela reflexão filosófica [5].
[Araújo de Oliveira, Manfredo. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 1996]
Ver online : Manfredo Araújo de Oliveira
[1] Heidegger retoma essa problemática de Ser e Tempo em sua segunda fase: Das Wesen der Sprache, op. cit., p. 185. Quanto à interpretação que Heidegger dá ao pensamento ocidental referente a essa questão, cf. W. Anz, Die Stellung der Sprache bei Heidegger, op. cit., pp. 310ss.
[2] W. Anz, op. cit., p. 309.
[3] E. Stein, Seis estudos, op. cit., p. 116: “…. o ser é precisamente o não-tematizável que acompanha todas as tematizações”; p. 122: “… trata-se de mostrar o não-tematizável já sempre tematizado em toda praxis: o ser-no-mundo do estar-ai, horizonte onde se revela qualquer modo de ser”.
[4] É próprio da linguagem revelar o ente em sua verdade e conservá-lo na palavra: M. Heidegger, “Das Wort”, in: Unterwegs, op. cit., p. 229.
[5] M. Heidegger, Sein und Zeit, op. cit., § 33.