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Dufour-Kowalska (1980:57-58) – imanência
domingo 1º de dezembro de 2024
A afetividade foi até agora definida como a realização fenomenológica da estrutura fundamental da essência, a imanência. Vimo-la emergir no conceito de auto-afetar-se como a significação concreta deste último, que constituía ele próprio uma explicitação concreta da imanência. Mas a imanência é também uma estrutura ontológica. Ela define um modo de revelação que constitui um modo de ser, o modo de ser do ser ele mesmo. Ora, como mostramos, este modo de ser realiza-se na passividade. A passividade originária do ser em relação a si mesmo descreve o modo como se realiza a sua imanência radical. A passividade é o correspondente ontológico do auto-afetar-se na ordem fenomenológica. Pode ser vista como uma explicitação ontológica da imanência, enquanto o auto-afetar-se é uma explicitação fenomenológica da imanência. Ora, tal como o auto-afetar-se como estrutura de revelação, a passividade como estrutura de ser envolve a afetividade como seu significado concreto. Deste modo, a afetividade como estrutura fenomenológica e ontológica é duplamente determinada com base na imanência, por um lado através do auto-afetar-se e, por outro, através da passividade.
Consideremos esta última determinação, ou seja, a determinação ontológica da afetividade. M. Henry diz-nos que a passividade, tal como a imanência, é uma estrutura abstrata ou, como ele diz, “ideal”. O seu conceito apresenta imediatamente um conteúdo concreto. A este respeito, o conceito de passividade é interpretado da mesma forma que o conceito de auto-afetar-se, onde a receptividade interna da essência, a eficácia concreta da revelação interior, é apreendida na sua própria experiência. Do mesmo modo, “o que se realiza”, diz M. Henry, “na passividade original do ser em relação a si mesmo, não é uma abstração” [MHEM :585], é uma experiência, a própria experiência que o ser faz de si mesmo. O que é que significa para um ser permanecer passivo em relação a si mesmo? O que significa não ser livre, estar privado de todo [58] o poder sobre si próprio, estar inexoravelmente condenado a ser o que é? Significa precisamente a experiência que o ser faz quando, na sua unidade e identidade radicais, se relaciona consigo mesmo, se corresponde a si mesmo, se “coaduna consigo mesmo”. Significa a relação consigo mesmo do uno e do mesmo na sua operação, designa o seu ato. Como tal, exprime essa experiência adequada que é constitutiva do ser, que, como diz explicitamente M. Henry, “o faz ser o que é” [Ibid]. Ora, enquanto experiência, a passividade tem um nome que a apresenta, a impõe como tal na sua realidade fenomenológica concreta: chama-se paixão. “A experiência de si do ser como originariamente passivo em relação a si mesmo é a sua paixão” [MHEM :586]. A essência da paixão é, no entanto, a afetividade. Assim, o que está envolvido nesta estrutura do ser que é a passividade, como significado concreto deste conceito ontológico, é a afetividade. A afetividade, diz M. Henry, é “a realização fenomenológica efetiva” da passividade [Ibid.], isto é, o modo de realização do ser mesmo. Ela fornece o conceito da revelação imanente que pertence ao ser enquanto ser, ela constitui o Logos originário. Para M. Henry, o que estava no princípio não é a ação, mas a paixão. Com a afetividade, tal como é entendida aqui, penetramos no mais íntimo do ser, naquilo que o determina a ser o que é, em sua ratio essendi ela mesma.
[DUFOUR-KOWALSKA , Gabrielle. Michel Henry . Un philosophe de la vie et de la praxis. Paris: Vrin, 1980]
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