Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Agamben (2015) – Ereignis

sexta-feira 27 de setembro de 2024

Em todo caso, nos excertos citados anteriormente, o elemento decisivo na caracterização do Ereignis em relação ao Absoluto hegeliano é, porém, a finitude. Já nas lições sobre a Fenomenologia do espírito, de 1930-31, Heidegger identificava a essência do Absoluto como “in-finita absolvição [un-endliche Absolvenz]”, e o seminário sobre Tempo e Ser confirma essa interpretação do hegelianismo no sentido de uma Aufhebung da finitude do homem. Nós vimos, todavia, que justamente em relação ao Absoluto é problemático se, e em que sentido, se pode falar em Hegel   de uma infinitude, sem introduzir, ao mesmo tempo, o tema do fim da História. Só um esclarecimento do que Heidegger entende aqui por “finitude” poderá permitir-nos, portanto, medir a distância — ou a proximidade — de Ereignis e Absoluto.

Ora, é o próprio Heidegger, no final do seminário sobre Tempo e Ser, quem precisa o sentido dessa finitude:

A finitude do Ereignis, do ser, do Geviert a que nos referimos ao longo do seminário, diferencia-se daquela [isto é, a finitude do ser de que Heidegger falava no livro sobre Kant  ], na medida em que ela já não é pensada a partir da relação com a infinitude, mas como finitude em si mesma: finitude, fim, limite, o Próprio-ser a salvo no Próprio. É nesta direção — isto é, a partir do próprio Ereignis, do conceito de propriedade — que é pensado o novo conceito de finitude (Sache, 58).

Decisiva, também aqui, é, pois, a ideia de um fim, de um cumprimento, de um morar, por fim, no próprio. O pensamento que pensa a finitude em si mesma, sem jamais se referir ao in-finito, é pensamento do finito como tal, isto é, do fim da história do ser:

Se o Ereignis não é uma nova cunhagem [Prägung] do ser, mas se, pelo contrário, o ser pertence ao Ereignis, onde ele (sempre, de alguma maneira) é retomado, então para o pensamento no Ereignis, isto é, para o pensamento que mora no Ereignis — na medida em que, através dele, o ser, que repousa no destino, já não é propriamente o que tem de ser pensado — a história do ser terminou [ist… zu Ende]. Então o pensamento está n’Aquilo e diante d’Aquilo (Jenem), que destinou as diversas figuras do ser epocal. Mas isso, o que destina como Ereignis, é ele próprio não histórico, ou melhor: sem destino [ungeschichtlich, besser geschicklos].

[AGAMBEN  , Giorgio. A potência do pensamento. Ensaios e conferências. Tr. Antônio Guerreiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2015]


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