Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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teoria

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

…questionamos agora o que significa a palavra "TEORIA", na frase "a ciência é a TEORIA do real"? O termo "TEORIA" provém do verbo grego [45] theorein  . O substantivo correspondente é theoria. Estas palavras têm de próprio uma significação superior e misteriosa. O verbo theorein nasceu da composição de dois étimos thea   e orao  . Thea (veja-se teatro  ) diz a fisionomia, o perfil em que alguma coisa é e se mostra, a visão que é e oferece. Platão   chama esse perfil, em que o vigente mostra o que ele é, de eidos  . Ter visto, eidenai, o perfil é saber. O segundo étimo em theorein, o orao, significa: ver alguma coisa, tomá-la sob os olhos, percebê-la com a vista. Assim resulta que theorein é thean oran: visualizar a fisionomia em que aparece o vigente [Anwesende  ], vê-lo e por esta visão ficar sendo com ele. [GA7  ]


Pensada em sentido grego, a essência da TEORIA é plural e elevada em cada uma de suas dimensões. Pois bem, é esta essência, que se entulha, quando, hoje em dia, se fala, na física, de TEORIA da relatividade, na biologia, de TEORIA da evolução, na história, de TEORIA dos ciclos, na jurisprudência, de TEORIA do direito natural. E, não obstante, a sombra da theoria originária sempre atravessa a "TEORIA" de uso moderno. Pois esta vive daquela e não apenas, em sentido exterior de uma dependência histórica, passível de constatação. O que aqui se dá e acontece propriamente só se tornará claro e transparente quando se perguntar: o que é a "TEORIA", em contraste com a theoria originária, na frase "a ciência moderna é a TEORIA do real"?

Responderemos com a brevidade necessária, tomando um caminho aparentemente exterior. Consideraremos a maneira como se traduzem para o latim e para o alemão as palavras gregas theorein e theoria. É de propósito que dizemos "as palavras" e não os termos ou vocábulos gregos. É para indicar que, na essência e regência da linguagem das línguas, se decide cada vez o envio histórico de um destino.

Os romanos traduzem theorein por contemplari, theoria por contemplatio. Trata-se de uma tradução oriunda do espírito da língua latina, isto é, do modo romano   de estar no ser. Com esta tradução, o essencial da palavra grega desaparece, como que por encanto. Pois contemplari significa: separar e dividir uma coisa num setor e aí cercá-la e circundá-la. Templum é o grego temenos, proveniente de uma experiência inteiramente outra do que theorein. Temnein significa partir e separar. Por isso o que não se pode partir e separar é o atmeton, o a-tomon, o átomo.
[47]
O latim templum diz de per si o setor recortado no céu e na terra, o ponto cardeal, a região celeste disposta segundo o curso do sol. É dentro dela que os áugures realizam suas observações para saber o futuro pelo modo de voar, gritar e comer dos pássaros NA: Cf. Ernout-Meillet, Dictionnaire étymologique de la langue latine, 1951 p1202: contemplari dictum est a templo, i.e. loco qui ab omni parte aspici, vel ex quo omnis pars videri potest, quem antiqui templum nominabant.

Na theoria tornada contemplatio, o pensamento grego já traz seminalmente o momento de uma visão incisiva e divisora. No conhecimento, prevalece a seguir o caráter de um procedimento que divide e intervém na percepção visual. Mesmo aqui e agora, ainda continua a distinção entre vita   contemplativa e vita ativa.

Na linguagem religiosa e teológica da Idade Média, esta distinção adquire um outro sentido que opõe a vida contemplativa dos mosteiros à vida ativa do mundo e do século.

A tradução alemã de contemplatio é Betrachtung  , observação. O theorein grego, no sentido de ver o perfil do vigente em sua vigência, aparece agora como observação. A TEORIA é a observação do real. [GA7]


Todavia, "a TEORIA", que se apresenta na ciência moderna, é alguma coisa essencialmente diferente da "theoria" grega. Por isso, em traduzindo "TEORIA" por observação, damos à palavra um outro significado, embora não seja arbitrariamente inventando mas o significado originário do étimo. Se levarmos a sério o que a palavra alemã Betrachtung, observação, invoca, haveremos de reconhecer o que há de novo na essência da ciência moderna, como TEORIA do real.

O que diz Betrachtung, observação? Diz trachten, pretender, aspirar. Diz o latim tractare, tratar, empenhar-se, trabalhar. Pretender e aspirar a alguma coisa diz empenhar-se todo para alcançá-la, diz persegui-la e correr atrás para dela se apossar. Neste sentido, a [48] TEORIA, como observação, seria uma elaboração que visa apoderar-se e assegurar-se do real. Ora, tal caracterização da ciência poderia parecer naturalmente contrária à sua essência. Pois, como TEORIA, a ciência seria justamente "teórica". Prescindiria de qualquer elaboração do real. Faria de tudo para apreender o real puramente em si. Não interviria no real para alterá-lo. A ciência pura, como se proclama, seria desinteressada e "sem propósito".

E, no entanto, como TEORIA, no sentido de tratar, a ciência é uma elaboração do real terrivelmente intervencionista. Precisamente com este tipo de elaboração, a ciência corresponde a um traço básico do próprio real. O real é o vigente que se ex-põe e des-taca em sua vigência. Este destaque se mostra, entretanto, na Idade Moderna, de tal maneira que estabelece e consolida a sua vigência, transformando-a em objetidade. A ciência corresponde a esta regência objetivada do real à medida que, por sua atividade de TEORIA, ex-plora e dis-põe do real na objetidade. A ciência põe o real. E o dis-põe a pro-por-se num conjunto de operações e processamentos, isto é, numa sequência de causas aduzidas que se podem prever. Desta maneira, o real pode ser previsível e tornar-se perseguido em suas consequências. É como se assegura do real em sua objetidade. Desta decorrem domínios de objetos que o tratamento científico pode, então, processar à vontade. A representação processadora, que assegura e garante todo e qualquer real em sua objetidade processável, constitui o traço fundamental da representação com que a ciência moderna corresponde ao real. O trabalho, que tudo decide e que a representação realiza em cada ciência, constitui a elaboração que processa o real e o ex-põe numa objetidade. Com isto, todo real se transforma, já de antemão, numa variedade de objetos para o asseguramento processador das pesquisas científicas.

Seria estranho para um medieval e deveria ser atordoante para o pensamento grego tanto ex-por o vigente, seja a natureza, o homem, a história, a linguagem, como o real de uma objetidade, quanto transformar a ciência numa TEORIA que investiga o real e o assegura na objetidade. [GA7]