Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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determinação do ser

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Assim se distingue, por exemplo, a verdade do puramente subsistente (por exemplo, as coisas materiais) como descoberta, especificamente da verdade do ente que nós mesmos somos, da abertura, do ser-aí existente [Cf. ibidem § 60, p. 295 ss. (N. do A.)]. Por mais variadas que sejam as diferenças de ambas as espécies de verdade ôntica, para toda revelação antepredicativa vale o fato de que o âmbito revelador nunca possui, primariamente, o caráter de uma pura representação (intuição), nem mesmo na contemplação "estética". A caracterização da verdade antepredicativa como intuição se insinua com facilidade pelo fato de a verdade ôntica, e aparentemente a verdade propriamente dita, ser determinada como verdade proporcional, isto é, como "união da representação". O mais simples em face desta é, então, um puro representar, livre de toda união predicativa. Este representar tem, não há dúvida, sua função própria para a objetivação do ente, certamente, então já sempre necessariamente revelado. A revelação ôntica mesma, porém, acontece num sentir-se situado em meio ao ente, marcado pela disposição de humor, pela impulsividade e em comportamentos em face do ente, tendências e volitivos que se fundam naquele sentimento de situação [Sobre "sentimento de situação", cf. ibidem § 29, p. 134 ss. (N. do A.)]. Contudo, mesmo estes comportamentos não seriam capazes de tornar acessível o ente em si mesmo, interpretados como antepredicativos ou como predicativos, se sua ação reveladora não fosse sempre antes iluminada e conduzida por uma compreensão do ser (constituição do ser: que-ser e como-ser) do ente. Desvelamento do ser é o que primeiramente possibilita o grau de revelação do ente. Este desvelamento como verdade sobre o ser é chamado verdade ontológica. Não há dúvida, os termos ‘ontologia’ e "ontológico" são multívocos, e de tal maneira que, justamente, escondem o problema propriamente dito de uma ontologia. Lógos do ón   significa: o interpelar (légein  ) do ente enquanto ente, significa, porém, ao mesmo tempo o horizonte (woraufhin  ) em direção do qual o ente é interpelado (legómenon). Interpelar algo enquanto algo não significa ainda necessariamente: compreender o assim interpelado em sua essência. A compreensão do ser (lógos num sentido bem amplo), que previamente ilumina e orienta todo o comportamento para o ente, não é nem um captar o ser como tal nem um reduzir ao conceito o assim captado (lógos no sentido mais estrito - conceito "ontológico"). A compreensão do ser, ainda não reduzida ao conceito, designamos, por isso, compreensão pré-ontológica ou também ontológica, em sentido mais amplo. Conceituar o ser pressupõe que a compreensão do ser se tenha elaborado a si mesma e que tenha transformado propriamente em tema e problema o ser nela compreendido, projetado em geral e de alguma maneira desvelado. Entre compreensão pré-ontológica do ser e expressa problematização da conceituação do ser, há muitos graus. Um grau característico é, por exemplo, o projeto da constituição do ser do ente, através do qual é, concomitantemente, delimitado um determinado campo (natureza, história) como área de possível objetivação através do conhecimento cientifico. A prévia DETERMINAÇÃO DO SER (que-ser e como-ser) da natureza em geral se fixa nos "conceitos fundamentais" da respectiva ciência. Nestes conceitos são, por exemplo, delimitados espaço, lugar, tempo, movimento, massa, força, velocidade; todavia, a essência do tempo, do movimento, não é propriamente problematizada. A compreensão ontológica do ente puramente subsistente é aqui reduzida a um conceito, mas a determinação conceitual de tempo e lugar etc., as definições, são reguladas, em seu ponto de partida e amplitude, unicamente pelo questionamento fundamental que na respectiva ciência é dirigido ao ente. Os conceitos fundamentais da ciência atual não contêm, nem já os "autênticos" conceitos ontológicos do ser do respectivo ente nem podem estes ser simplesmente conquistados por uma "adequada" ampliação daqueles. Muito antes, devem ser conquistados os originários conceitos ontológicos antes de toda definição científica dos conceitos fundamentais, de tal modo que, a partir daqueles, se torne possível estimar de que maneira restritiva e, em cada caso, delimitadora a partir de um ponto de vista, os conceitos fundamentais das ciências atingem o ser, somente captável em conceitos puramente ontológicos. O "fato" das ciências, isto é, conteúdo fático de compreensão do ser que elas necessariamente encerram, como qualquer comportamento para com o ente, não é nem instância fundadora para o a priori   nem a fonte do conhecimento do mesmo, mas é apenas uma possível e motivadora orientação que aponta para a originária constituição ontológica, por exemplo, de história ou de natureza, orientação que ainda, por sua vez, deve permanecer submetida a constante crítica, que já recebeu os pontos que tem em mira da problemática fundamental de todo o questionamento do ser do ente. MHeidegger: SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO

Esta preleção se propôs, durante o semestre de verão de 1928, a tarefa de experimentar uma discussão com Leibniz  . Orientada era a tarefa na consideração do ekstático ser-no-mundo do homem, desde o ponto de vista da questão do ser. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Esta e outras interpretações eram determinadas pela convicção de que, no pensamento da filosofia, nós somos um diálogo com o pensamento do passado. Tal diálogo quer dizer outra coisa que complementação de uma filosofia sistemática pela exposição historiográfica de sua história. Não pode, porém, ser também comparada com a singular identidade que Hegel   alcançou para a mentação de seu pensamento e do pensamento da história. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

O texto que segue, extraído da mencionada preleção e revisto, procura mostrar a partir de que projeto e segundo que fio condutor Leibniz determina o ser do ente. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

O problema da substancialidade da substância deve ser solucionado positivamente, e este problema é para Leibniz um problema da unidade, da mônada. Deste horizonte de problemas de uma determinação positiva da unidade da substância, deve ser entendido tudo o que foi dito sobre a força e sua função metafísica. O caráter de força deve ser pensado a partir do problema da unidade que se esconde na substancialidade. Leibniz destaca seu conceito de vis activa do conceito escolástico de potêntia activa. Desde o ponto de vista terminológico, vis activa e potentia activa parecem significar o mesmo. Mas: Differt enfim vis activa a potentia muda vulgo scholis cognita, quod potentia activa scholasticorum, seu facultas, nihil aliud est quam propínqua agendi possibilitas, quae tamen aliena excitatione et velut stimulo indiget, ut in actum transferatur (Gerh. IV, 469). "Pois a vis activa se distingue da nua potência pura para agir, que é de comum conhecimento na escolástica, porque a potência ativa ou possibilidade de agir da escolástica não é outra coisa que a possibilidade próxima de agir, a qual contudo necessita de um impulso estranho, como que de um estímulo para tomar-se ato." MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

A vis activa é, por conseguinte, um certo agir, mas não a ação na realização propriamente dita; ela é uma capacidade, mas não uma capacidade em repouso. Designamos o que Leibniz aqui visa o tender para…, melhor ainda, para poder exprimir o específico, de certa maneira já efetivado, momento de agir, o impelir, pulsão. [Drang   é o terno que Heidegger explora para extrair toda a riqueza de sentido da vis de Leibniz. Drang equivale originariamente ao termo grego horme  , que vem de hormÁo: excitar. Desta forma verbal grega se origina a palavra portuguesa hormônio: princípio ativo das secreções internas. Traduzo Drang por pulsão, que vem de pulsarr impelir, repelir. Bater, ferir, tocar, tanger. Palpitar, latejar, arquejar. Pulsão como Drang distingue-se e se opõe a instinto porque não exige um objeto correlato. O termo pulsão, além de reproduzir o sentido de Drang, possui a vantagem de permitir o jogo semântico que o filósofo realiza pelo uso de prefixos com Drang. Além das formas verbais, podemos formar, em português: com-pulsão, ex-pulsão, fim-pulsão, re-pulsão. A longa história da palavra Drang deu-lhe uma variedade de conotações que dificilmente são percebidas por uma língua com outra história. Desde o termo medieval dang até a exploração que dele faz Max Scheler  , Drang passa pelo movimento da literatura alemã Stunn und Drang (1767-1785), pelo idealismo (Schelling  ), pela filosofia da vida (Dilthey  ). Heidegger usa a palavra Drang livre de conotações biológicas ou irracionalistas, acentuando-lhe a dimensão transcendental   de que necessita para analisar a questão do ser do ente no pensamento de Leibniz, no horizonte de sua ontologia fundamental. (Agradeço ao ProL Hermann Zeltner, da Universidade de Erlangen-Nüm berg, sempre disponível para clarificar no diálogo questões como esta.) (N. do T.)] Não é nenhuma disposição nem um processo espontâneo, mas o empenhar-se desde dentro (a saber, por própria iniciativa e por si mesmo), o dispor a si para si mesmo Cele insiste nisso"), instaurar-se na proximidade de si mesmo. [Heidegger procura circunscrever a dimensão constituinte da vis, do Drang, da pulsão, distinguindo-a: a) do processo mecânico espontâneo; b) da esfera biológica que (desde a héxis: estado, característica, ter uma disposição, de Aristóteles  ) facilmente se insinua quando se fala de força, instinto, pulsão; e determinando-a transcendentalmente: a) suprimindo pela auto-reflexão a passividade que se poderia presumir na pulsão; b) sugerindo, pela auto-referência, a atividade característica desta disposição originária. A alusão ao surto originário de si mesmo, sem que se sugira passividade, não permite que se determine como objeto o que está em questão. É um esforço de arrancar a linguagem de seus fundamentos, porque ela sempre pára, fixa, põe, propõe, estratifica. Trata-se, em última instância, da busca quase obsessiva de um dizer não-objetivaste, de um dizer que se encoste nas coisas, permaneça junto a elas e assim as mostre. Seria um dizer em que nada se põe, propõe e representa como objeto. Retorna sempre a ideia heideggeriana   da recuperação originária da coisa, do levá-la a mostrar-se, a presentar-se sem que seja representada, petrificada como objeto de uma proposição. É, no fundo, o elemento modal do método fenomer ológico. (N. do T.)] MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

O característico na pulsão é que leva à ação a si mesmo, a partir de si mesmo e isto, na verdade, não ocasionalmente, mas por natureza. Este levar-se para… não necessita primeiro de um impulso que venha de qualquer lugar de fora. A pulsão mesma é o "instinto" que por natureza é impulsionado por ele mesmo. No fenômeno da pulsão não apenas reside o fato de que por si mesmo traz consigo como que a causa no sentido do desencadeamento, a pulsão enquanto tal, já está sempre desencadeada, mas de tal modo que ainda sempre permanece tensa. Não há dúvida de que a pulsão pode ser freada em seu tender para, mas, mesmo freada não é o mesmo que uma faculdade de agir em repouso. Certamente pode a eliminação das repressões libertar a pulsão para… O desaparecer de um freio, ou - para usar uma expressão feliz de Max Scheler - o desenfrear, é, contudo, algo diferente de uma causa estranha que ainda se viesse juntar. Leibniz diz: atque fita per seipsam in operationem fertur; nec auxiliis indiget, sed sola sublatione impedimenti (ib.). O olhar para um arco tenso torna mais claro o que se quer dizer. A expressão força é por isso um pouco enganosa, porque facilmente se imagina uma qualidade em repouso. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Cada ente possui o caráter desta pulsão, é determinado em seu ser como se impulsionante. E este o rasgo fundamental da mônada. Mas com isso, não resta dúvida, a estrutura desta pulsão não é ainda expressamente determinada. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Se cada ente, cada mônada tem a pulsão de si, isto significa que carrega a partir de si o essencial de seu ser, daquilo por que e o modo como exerce a pulsão. Todo o impulsionar paralelo de outras mônadas é, em sua possível relação com cada uma das outras mônadas individuais, essencialmente negativo. Nenhuma substância é capaz de dar à outra sua pulsão, isto é, o que possui de essencial. Ela somente é capaz de simplesmente desenfrear ou frear, mas mesmo nesta maneira negativa ela sempre apenas funciona indiretamente. A relação de uma substância com a outra é unicamente aquela de uma delimitação, por conseguinte, uma determinação negativa. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Antes é necessária uma consideração intermédia. Já mais vezes foi acentuado; o sentido metafísico da Monadologia só pode ser atingido se for tentada uma construção das principais conexões e perspectivas, e isto pelo fio condutor daquilo que para Leibniz mesmo era determinante no projeto da Monadologia. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

A Monadologia quer elucidar o ser do ente. Por isso é preciso adquirir, seja por que via for, uma ideia exemplar de ser. Ela foi encontrada ali, onde algo semelhante ao ser se manifesta imediatamente ao que questiona filosoficamente. Nós nos relacionamos com o ente, a ele nos reduzimos e nele nos perdemos, por ele somos dominamos e possuídos. Mas nós não nos relacionamos apenas com o ente, somos, ao mesmo tempo, nós mesmos, ente. Nós o somos e isto não de maneira indiferente, mas de tal maneira que justamente nosso próprio ser nos importa. É por isso que - prescindindo de outras razões - de certa maneira é sempre o próprio ser de quem questiona, o fio condutor, assim também no projeto da Monadologia. O que aí chega a se revelar certamente permanece inquestionado sob o ponto de vista ontológico. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

A constante presença do próprio ser-aí, da constituição ontológica e do modo de ser do próprio eu, dá a Leibniz o modelo para a unidade que atribui a cada ente. Isto transparece em várias passagens. A clara visão com relação a este fio condutor é de importância decisiva para a compreensão da Monadologia. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

"Ademais, por meio da ‘alma’ ou da ‘forma’ há uma unidade verdadeira que correspondente ao que em nós se denomina TU’; mas tal não se encontra nem nas máquinas artificiais nem na simples massa da matéria, esteja ela organizada como quiser. Pois mesmo então deve ser considerada apenas como um exército ou um rebanho, ou como um aquário cheio de peixes ou como um relógio composto de molas e engrenagens." MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

É da auto-experiência, nascida da mudança espontânea perceptível no eu, é da pulsão que é tomada esta ideia de ser, único pressuposto, isto é, o conteúdo propriamente dito do projeto metafísico. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

"… ao pensarmos desta maneira em nós, captamos com isto, ao mesmo tempo, o pensamento do ser, da substância, do simples ou do composto, do imaterial, sim, até de Deus mesmo, ao representarmos que aquilo que em nós está presente nele é contido sem limites" (via eminential). MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

De onde retira, portanto, Leibniz o fio condutor para a DETERMINAÇÃO DO SER do ente? Ser é interpretado em analogia   com alma, vida e espírito. O fio condutor é o ego  . MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

L’Estre même et Ia Vérité ne s’apprend pas tout à fait par les seus Ub.). "O ser mesmo e a verdade não podem ser compreendidos apenas através dos sentidos." MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Cette conception de 1’Estre et de la Vérité se trouve donc dans ce Moy, et dans 1’Entendement plustost que dans ler seus externes et dans Ia perception des objets exterieues (à 503, Livro II, 415). "Este conceito do ser e da verdade encontra-se antes no ‘eu’ e no entendimento do que nos sentidos exteriores e na percepção dos objetos exteriores." MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

No que se refere ao conhecimento do ser em geral, diz Leibniz em Nouveaux Essais (Livro I, cap. 1 § 23); Et je voudrois bien savoir, comment naus pourrions avoir 1’idée de l’estre, si naus n’estions des Estres naus mêmes, et ne trouvions ainsi 1’estre en naus (cf. também § 21, bem como Monadologia, § 30). Também aqui são juntados ser e subjetividade, ainda que equivocamente. Não teríamos a ideia de ser se nós mesmos não fôssemos entes e não encontrássemos o ente em nós. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

É claro que nós devemos ser - pensa Leibniz - para podermos possuir a ideia de ser. Dito metafísicamente: constitui justamente essência o fato de não podermos ser aquilo que somos sem a ideia do ser. A compreensão é constitutiva para o ser-aí (Discours, § 27). MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Disto, porém, não se segue que cheguemos à ideia do ser pela volta sobre nós mesmos enquanto entes. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Nós mesmos somos a fonte da ideia de ser. - Mas esta fonte deve ser entendida como a transcendência do ser-aí ek-stático. É somente no fundamento da transcendência que se dá a articulação dos diversos modos de ser. Um problema difícil e último é a determinação da ideia de ser como tal. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Pelo fato de a compreensão do ser fazer parte do sujeito enquanto o ser-aí que transcende, pode a ideia de ser ser tirada do sujeito. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Que resulta de tudo isto? Primeiramente, que Leibniz - mantidas todas as diferenças em face de Descartes   - retém com este a certeza que o eu possui de si mesmo como a primeira certeza que ele vê, como Descartes, no eu, no ego cogito  , a dimensão da qual devem ser tomados todos os conceitos metafísicos fundamentais. Procura-se resolver o problema do ser como o problema fundamental da metafísica no retorno ao sujeito. Apesar disso, permanece em Leibniz, como em seus precursores e sucessores, ambíguo este retorno ao eu, pelo fato de o eu não ser captado em sua estrutura essencial e seu modo específico de ser. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

A função de fio condutor do ego é, porém, sob muitos pontos de vista, ambígua. Em relação ao problema do ser é o sujeito o ente exemplar. Ele mesmo dá enquanto ente, com seu ser a ideia de ser como tal. De outro lado, porém, o sujeito é enquanto aquele que compreende o ser; enquanto ente de natureza especial, o sujeito tem a compreensão do ser em seu ser; o que não quer dizer que ser apenas designe: ser-aí existente. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Por isso surge justamente em Leibniz a impressão de que a interpretação monadológica do ente é simplesmente um antropomorfismo, uma pan  -animação em analogia com o eu. Isto, porém, seria uma compreensão extrinsecista e arbitrária. Leibniz mesmo procura fundamentar metafísicamente esta consideração analogizante: cum rerum natura sit uniformas nec ab alüs substantüs simplicibus ex quibus totum   consistit Universum, nostra infinite differre possit. "Pois, dado o fato de a natureza das coisas ser uniforme, não pode a nossa própria essência ser infinitamente diferente das outras substâncias simples de que se compõe todo o universo" (carta a de Volder, dia 30 de junho de 1704, Gerh. II, 270, Livro II, 347). O princípio ontológico universal aduzido por Leibniz para a fundamentação necessitaria, sem dúvida, por sua vez, de ser fundamentado. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Em vez de se mostrar satisfeito com a simplificante afirmação de um antropomorfismo, é preciso perguntar: quais são as estruturas do próprio ser-aí que devem tornar-se relevantes para a interpretação do ser da substância? Como se modificam estas estruturas, para adquirirem a qualidade de tornar monadologicamente compreensível qualquer ente, todos os graus do ser? MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

O problema central que precisa ser retomado é o seguinte: como deve a pulsão que caracteriza a substância como tal dar unidade? Como deve ser determinada pulsão mesma? MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Se a pulsão ou aquilo que é determinado como pulsionante tem o papel de dar unidade, na medida em que é aquilo que pulsiona, então ela mesma deve ser simples, não deve possuir partes como um agregado, um aglomerado. O primum constitutivum (Gerh. II. 342) deve ser uma indivisível unidade. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

A pulsão simplesmente unificadora, deve, enquanto pulsionar, levar em seu bojo o múltiplo, deve ser múltiplo. Então, porém, também o múltiplo deve ter o caráter de pulsão, de com-pulsado e im-pulsionado, de mobilidade como tal. Multiplicidade é movimento, é o mutável e o que está em transformação. O com-pulsado na pulsão é a própria pulsão. A modificação da pulsão, aquilo que se modifica na com-pulsão, é o fim-pulsionado. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

A pulsão como primum constitutivum deve ser simplesmente unificante e, ao mesmo tempo, origem e modo de ser do que é mutável. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

"Simplesmente unificante" quer dizer: a unidade não deve ser um ajuntamento ulterior de um aglomerado, mas unificação originária e organizadora. O princípio constitutivo de unificação deve ser anterior àquilo que depende da possível unificação. O que unifica deve estar antecipado, deve, de antemão, estar estendido em direção àquilo de que tudo o que é múltiplo já recebeu sua unidade. Aquilo que simplesmente unifica deve abrir originariamente uma dimensão e como tal ser, desde o princípio, abarcador, e isto de tal modo que toda a multiplicidade já sempre esteja multiplicando a partir deste âmbito abarcador. Enquanto antecipação do âmbito que abarca é, de antemão, o que sobressai, é substantia   praeeminens (a de Volder, Gerh. II, 252, Schmalenbach II, 35). MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

A pulsão, a vis primitiva como primum constitutivum da unificação originária, deve, por conseguinte, ser aquilo que abre uma dimensão e abarca. Leibniz exprime isto da seguinte maneira: a mônada é, no fundamento de sua essência, re-presentadora. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

O mais íntimo motivo metafísico para o caráter representativo da mônada é a função ontológica unificadora da pulsão. Leibniz mesmo não se deu conta desta motivação. De acordo com a coisa mesma, no entanto, somente isto pode ser motivo, e não esta consideração: a mônada é, como força, algo vivo; do vivo faz parte a alma e da alma faz parte a representação. Se fosse assim, tudo se resumira numa transposição extrínseca do elemento anímico para o ente como tal. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Pelo fato de a pulsão ter que ser aquilo que originaria e simplesmente unifica, deve ela ser o que abre a dimensão e abarca, deve ser "re-presentadora". Re-presentar não deve ser tomado aqui como faculdade particular da alma, mas sob o ponto de vista ontológico-estrutural. Em conseqüência disso, a mônada não é alma em sua essência metafísica, mas dá-se o contrário: alma é uma possível modificação de mônada. A pulsão não é um acontecer que ocasionalmente também representa ou até produz representações; ela é por natureza representadora. A estrutura do próprio acontecer pulsivo se caracteriza pelo abrir dimensões, é ekstática. O re-presentar não é um puro fixar os olhos em…, mas é unificação no que é simples, unificação que antecipa e das-põe para si o múltiplo. Nos Príncipes de Ia Nature et de la Grâce diz Leibniz (§ 2):…les actions internes… ne peuvent entre nutre chose que ses perceptions (c’est à dire les représentations du composé, ou de ce qui est dehors, dons le simple)… A des Bosses escreve: Perceptio nihil aliud quam multorum in uno expressio (Gerh, II, 311) e: Nunquam versatur perceptio circo objectum, in quo non sit aliqua varietas seu multitudo (ib. 317). MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

O que determina, em última análise, cada mônada a ser exatamente esta? Como se constitui a própria individuação? O recurso à criação é apenas a explicação dogmática da origem do individuado, mas não é a elucidação da individuação mesma. Em que consiste esta? A resposta a esta questão deve clarificar ainda mais a essência da mônada. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Pelo fato de cada mônada ser, de certa maneira que lhe é própria, o mundo, na medida em que o representa, está cada pulsão em consensos com o universo. Fundadas nesta concordância de cada pulsão representadora com o universo, estão também as próprias mônadas em conexão entre si. Na ideia da mônada como pulsão representadora, tendendo para a ultrapassagem, já está decidido que dela faz parte o mundo, cada vez numa refração que gera determinada perspectiva, que, por conseguinte, todas as mônadas, como unidades de pulsão, estão orientadas antecipadamente para a harmonia preestabelecida do todo do ente: harmonia praestabilita. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Do que foi analisado pode esclarecer-se agora a imagem que Leibniz prefere, muitas vezes, usar para caracterizar a totalidade do ser da mônada. A mônada é um espelho vivo do universo. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Uma das passagens essenciais é a da carta a de Volder no dia 201-1703 (Gerh. II, 251-2): Entelechias differre necesse est, seu non esse penitus símiles inter se, imo principia esse diversitatis, nam alise aliter exprimunt universum ad suum quaeque spectandi modum, idque ipsarum officium est ut sint totidem specula vitalia rerum seu totidem Mundi concentrati. "È necessário que as enteléquias (as mônadas) se distingam entre si, ou que não sejam absolutamente semelhantes. Devem ser até (elas mesmas enquanto tais) os princípios da diversidade; pois cada uma expressa respectivamente de outra maneira o universo, de acordo com seu modo de ver (de re-presentar). Esta é justamente sua tarefa mais própria, serem outros tantos espelhos vivos do ente, respectivamente, outros tantos mundos concentrados." MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Nesta proposição são expressas diversas coisas: 1. A diferenciação das mônadas é necessária, ela faz parte de sua essência. Unificando, sempre a partir de seu ponto de vista, individuam-se a si mesmas. 2. As mônadas são por isso, elas mesmas, a fonte de sua diversidade por causa de seu modo ver, perceptio-appetitus. 3. Esta re-presentação unificante do universo cada vez numa individuação é justamente aquilo que importa à mônada como tal em seu ser (pulsão). 4. Ela é o universo numa concentração. O centro da concentração é cada pulsão determinada desde um ponto de vista: concentrationes universi (Gerh. II, 278). 5. A mônada é speculum vitale (vide Príncipes de Ia Nature, § 3; Monadologia, §§ 63 e 77, e a carta a Rémond, Gerh.111, 623). Espelho, speculum, é um fazer-ver: Miroir actif indivisible (Gerh. IV, 557, Schmal. I, 146), um espelhar (fim-)pulsionador indivisível e simples. À maneira do ser monádico realiza-se apenas este fazer-ver, acontece o singular desvelamento do mundo. O espelhar não é um parado retratar, mas ele mesmo impulsiona como tal para novas possibilidades de si mesmo que lhe foram esboçadas. Na antecipação do único universo num único ponto de vista, a partir de onde somente se torna visível a multiplicidade, o espelhar é simples. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

A partir disto pode ser compreendida de modo mais preciso a essência da substância finita, numa perspectiva até agora não observada. Leibniz diz, em sua carta a de Volder no dia 20-6-1703 (Gerh. II, 249): omnis substantia est activa, et omnis substantia finita est passiva, passioni autem convexa resistentia est. Que vai aqui dito? MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

Na medida em que a mônada sempre é o todo num ponto de vista, é ela, justamente com fundamento nesta integração no universo, finita: ela se relaciona com uma resistência, como algo que ela não é, e contudo poderia ser. Não há dúvida que a pulsão é ativa, mas em toda pulsão finita que se realiza numa perspectiva sempre reside, e necessariamente, algo que resiste, que se contrapõe à pulsão enquanto tal. Pois, na medida em que ela sempre (fim-)pulsiona contra todo o universo desde um ponto de vista, não é tanta e tanta coisa. Ela é modificada pelo ponto de vista. Deve-se notar que a pulsão como (fim-)pulsionar sempre está justamente relacionada com a resistência, porque ela, segundo a possibilidade, pode ser todo o universo, mas não o é. Da finitude da pulsão faz parte esta passividade, no sentido daquilo que a pulsão não com-pulsa. MHeidegger: A DETERMINAÇÃO DO SER DO ENTE SEGUNDO LEIBNIZ

O fato de o ser ser determinado como fundamento é considerado até agora como a coisa mais natural; é, contudo, o mais problemático. Não é possível examinar aqui até onde se estende a DETERMINAÇÃO DO SER como fundamento, sobre que repousa a essência do fundamento, Entretanto, mesmo a uma reflexão aparentemente exterior já se impõe a conjectura de que, na determinação kantiana do ser como posição, se esconde um parentesco com o que nós chamamos fundamento. Positio, ponere, quer dizer: pôr, colocar, dispor, estar disposto, estar pro-posto, estar posto como fundamento. MHeidegger: A TESE DE KANT   SOBRE O SER

Sem dúvida, a determinação critica mais originária do entendimento oferece agora garantia para uma nova e mais rica elucidação do ser. Pois as modalidades, os modos do "ser-aí’’ e sua determinação entram agora propriamente no horizonte do pensamento kantiano. Kant mesmo vive na certeza de ter atingido o lugar a partir do qual a DETERMINAÇÃO DO SER do ente pode ser desencadeada. Isto é novamente comprovado por uma nota, que somente aparece no texto da segunda edição da Crítica da Razão Pura (§ 16, B 134, nota): "Desta maneira, a unidade sintética da apercepção é o ponto mais alto ao qual se deve prender todo uso do entendimento, até a lógica toda, e após ela a filosofia transcendental; sim, pode-se dizer que este poder [a aludida apercepção] é o próprio entendimento". MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER

No desenvolvimento da Crítica não é abandonada nem a DETERMINAÇÃO DO SER como posição, nem, muito menos, em geral o conceito de ser. É por isso que se pode dizer que é um erro do neokantismo, cujas conseqüências ainda hoje se fazem sentir, pensar que, pela filosofia de Kant, foi, como se diz, "liquidado" o conceito de ser. O sentido de ser (presença constante) que impera desde a Antiguidade não apenas é mantido na explicação critica que Kant dá do ser como objetividade do objeto da experiência; ao contrário, através da determinação ‘objetividade’, ele se manifesta em uma forma excepcional, enquanto é justamente encoberto, e deformado até, através da explicação do ser como substancialidade da substância, explicação imperante na história da filosofia. Kant, entretanto, determina o "substancial" sempre no sentido da explicação critica do ser como objetividade: O elemento substancial não significa outra coisa "que o conceito de objeto em geral, o qual subsiste na medida em que nele se pensa somente o sujeito transcendental, sem quaisquer predicados" (A 414, B 441). MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER

Kant realiza, entretanto, na DETERMINAÇÃO DO SER ainda mais um passo e o realiza novamente apenas em alusões, de tal maneira que não se chega à exposição sistemática do ser como posição. Visto a partir da obra de Kant, isto não representa uma falha, porque as afirmações episódicas sobre o ser como posição fazem parte do estilo de sua obra. MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER

Pelo fato de, com auxílio destes conceitos, se determinar a relação de reflexão, denominam-se eles conceitos da reflexão. Entretanto, o modo como os conceitos da reflexão são determinados também é uma reflexão. A mais avançada DETERMINAÇÃO DO SER como posição realiza-se, para Kant, numa reflexão sobre a reflexão - portanto, num modo privilegiado de pensamento. Esta situação torna ainda mais legítimo o ato de concentrar a meditação de Kant sobre o ser sob a expressão: Ser e Pensar. A expressão parece falar sem ambigüidade. Nela se oculta, no entanto, coisa não esclarecida. MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER

Entretanto, a tese de Kant sobre o ser como pura posição permanece o cimo, de onde o olhar alcança para trás até a DETERMINAÇÃO DO SER como hypokéisthai, e mostra para a frente, até dentro da interpretação especulativo-dialética do ser como conceito absoluto. MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER

O que nos leva a nomear juntos tempo e ser? Ser significa, desde a aurora do pensamento ocidental-europeu até hoje, o mesmo que presentar. De dentro do presentar e da presença fala o presente. Este constitui, segundo a representação corrente, a característica do tempo junto com o passado e o futuro. Ser enquanto presença é determinado pelo tempo. Já o fato de esta ser a situação bastaria para levar uma contínua inquietação ao interior do pensamento. A inquietação cresce tão logo nos pomos a caminho para meditar em que medida se dá esta DETERMINAÇÃO DO SER através do tempo. MHeidegger: TEMPO E SER

De onde nos vem a justificativa para caracterizarmos o ser como pre-s-entar? Esta questão é levantada tarde demais. Pois este caráter do ser já decidiu há muito, sem nossa intervenção ou nosso mérito. De acordo com isto estamos comprometidos com a caracterização do ser como pres-entar. Esta recebeu sua legitimação dos inícios do desvelamento do ser como algo dizível, isto é, pensável. Desde o começo do pensamento ocidental junto aos gregos, toda a dicção de "ser" e "é" se mantém na lembrança da DETERMINAÇÃO DO SER como pre-s-entar que compromete o pensamento. Isto vale também para o pensamento que conduz a técnica moderna e a indústria; mas, é claro, apenas em certo sentido. Depois que a técnica moderna instalou sua expansão e domínio sobre toda a Terra, não giram agora somente os sputniks e seus derivados em torno de nosso planeta; mas o ser como pre-s-entar, no sentido de fundos calculáveis, provocará em breve, de maneira uniforme, a todos os habitantes da Terra, sem que aqueles que habitam os continentes, fora a Europa  , saibam propriamente disto ou mesmo possam e queiram saber da origem dessa DETERMINAÇÃO DO SER. (Menos simpatia encontra um tal saber, certamente, junto aos que se ocupam com a ajuda ao desenvolvimento, que impelem aos hoje ditos subdesenvolvidos até o âmbito daquele apelo do ser que se faz ouvir no seio daquilo que é mais próprio da técnica moderna.) MHeidegger: TEMPO E SER

No que se refere à DETERMINAÇÃO DO SER fundamento, vide Ensaios e Conferências, pp. 207-229 e O Princípio da Razão, Neske, Pfullingen, 1957. MHeidegger: TEMPO E SER

Ser e Tempo   é a tentativa de uma interpretação do ser em direção ao horizonte transcendental tempo. Que significa aqui "transcendental"? Não a objetividade de um objeto da experiência enquanto constituído na consciência, mas o âmbito do projeto, descoberto a partir da clareira do ser-aí, para a DETERMINAÇÃO DO SER, quer dizer, do presentar como tal. Na conferência Tempo e Ser é recuperado ao âmbito de uma relação mais originária o sentido do tempo, até então impensado, e que se esconde no ser como presentar. Falar de algo mais originário pode gerar aqui facilmente um mal-entendido. Mas mesmo que deixemos por ora não decidido como deve ser compreendido o mais originário, e isto quer dizer, como não deve ser entendido, fica, contudo, de pé o fato de que o pensamento - e na verdade tanto na conferência mesma como em todo o caminho de Heidegger - possui o caráter de um retorno. Isto é o passo de volta. Deve-se prestar atenção à plurivocidade da expressão. Necessário torna-se o exame do para onde e do como, quando se fala de "de volta". MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA "TEMPO E SER"

A partir do modo de pensar metafísico, todo o caminho da conferência, e isto quer dizer, a DETERMINAÇÃO DO SER a partir do Ereignis  , pode ser interpretado como o retorno ao fundamento, à origem. A relação entre Ereignis e ser seria então a relação do a priori com o a posteriori, não devendo-se, no entanto, compreender por a priori apenas o a priori do conhecimento e para o conhecimento, que passou a imperar na Filosofia Moderna. Trata-se, portanto, de um complexo de fundação, que, visto a partir de Hegel, poderia ser determinado, de modo mais preciso, como o reassumir (re-assumir) e o sobressumir do ser no interior do Ereignis. MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA "TEMPO E SER"

Primeiro diz-se sem mais: "Ser significa, desde a aurora do pensamento ocidental europeu até hoje, o mesmo que pre-sentar". Que dizer deste enunciado? Significa ser exclusivamente, ou ao menos com tal primazia, algo assim como presentar, de maneira que se passem por alto outras determinações? Resulta a DETERMINAÇÃO DO SER como presentar, única admitida na conferência, apenas da intenção da conferência que procura pensar, numa unidade, ser e tempo? Ou possui o presentar, na totalidade da DETERMINAÇÃO DO SER, uma primazia "objetiva" independente da intenção da conferência? E, qual a situação, sobretudo, da DETERMINAÇÃO DO SER como fundamento? MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA "TEMPO E SER"

A diferença no ponto de partida da DETERMINAÇÃO DO SER foi resumida nos dois pontos seguintes: 1. Aquilo a partir de onde se determina para Hegel o ser em sua verdade está fora de qualquer cogitação para esta filosofia e, na verdade, porque para Hegel a identidade de ser e pensar é realmente uma equiparação. Portanto, em Hegel não se chega a levantar a questão do ser, e nunca se poderá chegar a isso. 2. Partindo da conferência em que se mostra que o ser é acontecido e apropriado no Ereignis, poder-se-ia ser tentado a comparar o Ereignis, enquanto o último e o mais alto, como o absoluto de Hegel. Mas atrás desta aparência de identidade dever-se-ia, então, levantar a seguinte questão: Como se relaciona em Hegel o homem com o absoluto? E: Qual a relação do homem com o Ereignis? Nisto se mostraria, então, uma diferença intransponível. Na medida em que, para Hegel, o homem é o lugar do vir-a-si-mesmo do absoluto, isto conduz à supressão da finitude do homem. Em Heidegger, pelo contrário, a finitude é justamente tornada visível - e, na verdade, não apenas a do homem, mas a do próprio Ereignis. MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA "TEMPO E SER"