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Pensamento Ocidental Moderno

Wahl: EVOLUÇÃO GERAL DAS FILOSOFIAS DA EXISTÊNCIA

Filósofos e Pensadores

quarta-feira 23 de março de 2022

As Filosofias da Existência
Jean Wahl  
Trd. I. Lobato e A. Torres
Europa  -América
1962

As Filosofias da Existência
Jean Wahl  
Trd. I. Lobato e A. Torres
Europa  -América
1962

EVOLUÇÃO GERAL DAS FILOSOFIAS DA EXISTÊNCIA

Dissemos já que as filosofias da existência partem da meditação essencialmente religiosa de Kierkegaard  . Kierkegaard é o indivíduo que se sente pelo seu pecado perante Deus. Como veremos, ter consciência do pecado é já sentir-se perante Deus, e a ideia do «perante Deus» é para Kierkegaard como para Lutero   uma categoria fundamental.

O indivíduo é a existência. Deus é a transcendência. Eis os dois termos que vão dominar estes pensadores. O que eles terão em vista é a existência na sua relação com a transcendência.

Estamos no centro do pensamento de Kierkegaard, em presença de dificuldades perante as quais ele não recuará, visto que para ele o pensamento no seu mais alto grau toma consciência das suas dificuldades sem procurar afastá-las. O nosso pensamento perante o Outro absoluto é necessariamente contraditório e atormentado. O transcendente, o absolutamente Outro, Deus, é num sentido o que é sem relação com o que quer que seja, é o absoluto no sentido próprio, no sentido etimológico da palavra. Mas, por outro lado, tenho uma relação com este Absoluto, e mesmo é essa relação intensa com o Absoluto que faz que eu seja um existente. Em muitos dos escritos de Kierkegaard vemos até que o existente pensa que o Absoluto só é por esta relação do existente com ele. Se eu separo o pensamento de Deus da minha tensão para Deus, já não existe realmente pensamento de Deus. Aí reside o paradoxo fundamental: estou em relação, e numa relação tensa, intensa, com qualquer coisa que está sem relação, e este mesmo paradoxo define a existência, até ao ponto em que ela pode ser definida.

Esta teoria está ligada ao que Kierkegaard chama a teoria do como. O importante não é o que eu creio, não é o objeto da minha crença; o importante é a maneira pela qual estou ligado a esse objeto. Se creio de uma maneira absoluta, por essa mesma razão é no Absoluto que creio. Deus é dado pela relação na qual me inclino para ele. Kierkegaard dirá igualmente algumas vezes: pode suceder muito bem que eu pense crer em Deus, e que não seja em Deus que eu creia se o meu pensamento não for bastante intenso, e penso que um qualquer outro homem crê num ídolo, mas, pela intensidade da sua crença esse ídolo torna-se o deus real, dado que o deus real é definido pela minha tensão absoluta, pela minha tensão absolutamente intensa para ele. É portanto o como que define o objeto (ou, melhor, o que outros chamam objeto e que não é em realidade um objeto).

Eis aí o aspecto subjetivista extremo do pensamento de Kierkegaard, mas não passa talvez de um aspecto. Efetivamente, Kierkegaard pensa que não pode comunicar-se diretamente a outrem e que seria uma má forma de trazer os homens para a religião cristã dizer-lhes diretamente: a religião cristã é que é a verdadeira. Então — e certos comentadores de Kierkegaard insistiram neste ponto — talvez que por trás deste aspecto subjetivista do pensamento de Kierkegaard seja preciso procurar um outro aspecto. Além disso, o que é importante, diz-nos ele, é referir-se sempre à palavra de Deus e tornar-se contemporâneo de Jesus. Por consequência, qualquer coisa há que deve completar o aspecto puramente subjetivista que anteriormente notamos. Há a afirmação de uma realidade que é independente de mim. O que não impede que, na maior parte dos seus escritos, Kierkegaard insista, em primeiro lugar, no aspecto subjetivista, na ideia: a subjetividade é a verdade.


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