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Wahl: AS TRADIÇÕES DAS FILOSOFIAS DA EXISTÊNCIA

quarta-feira 23 de março de 2022

As Filosofias da Existência
Jean Wahl  
Europa  -América
1962

CAPITULO II - AS TRADIÇÕES DAS FILOSOFIAS DA EXISTÊNCIA

As Filosofias da Existência
Jean Wahl  
Europa  -América
1962

AS TRADIÇÕES DAS FILOSOFIAS DA EXISTÊNCIA

Podemos, tendo presentes as observações do P. Bochenski, tomar como ponto de partida uma observação de Émile Bréhier  : estas filosofias são uma união do empirismo metafísico e do sentimento de inquietação humana. Nelas não encontramos uma definição, mas uma caracterização, e é o máximo a que podemos aspirar.

Empirismo, dizem-nos. E, para empregar um termo de Heidegger, o elemento de facticidade no qual insistirão estes filósofos, é o elemento de facto enquanto irredutível a toda a construção, a toda a interpretação metafísica. É uma espécie de empirismo bem diferente do empirismo vulgar, visto que se alia a uma afirmação de uma espécie de contingência metafísica, é num sentido metafísico.

Para estabelecer a tradição deste empirismo, poderíamos remontar a Schelling  , que quis constituir, por oposição ao que ele chama filosofias negativas, como considera todas as filosofias racionais, uma filosofia positiva. Ora, sabe-se que Kierkegaard   seguiu os cursos de Schelling em Berlim e que ficou entusiasmado durante um curto período pela referência que Schelling fazia à noção de existência nestes cursos.

De Schelling, podemos remontar a Kant  . Na crítica do argumento ontológico, Kant insistiu no facto de a existência nunca poder ser deduzida da essência.

E poderíamos mesmo ir muito mais longe, até à polêmica de Aristóteles   contra as ideias platônicas. Quando Aristóteles diz que a realidade é o indivíduo, podemos dizer que ele está na origem de uma parte destas tradições que conduzirão à filosofia da existência, principalmente se nos recordarmos de que o mesmo filósofo que diz que o indivíduo é a substância diz, por outro lado, que o indivíduo não pode ser reduzido aos gêneros e às espécies. Notemos, de passo, que Schelling se refere frequentemente a Aristóteles.

Mas esta é apenas uma das tradições da filosofia da existência. Recordemos que, segundo o que diz E. Bréhier, ela é um empirismo metafísico que se alia com um sentimento de inquietação humana. É que é necessário destacar uma outra tradição que seria uma tradição vulgarmente religiosa. Poderíamos filiá-la em certos irracionalistas do século XII, cuja influência se não fez sentir; poderíamos filiá-la em S. Bernardo. Poderíamos ir até St. Agostinho  , e mesmo remontar a certos sentimentos expressos no Antigo Testamento. Podemos recordar a importância que Chestov concedia ao Livro de Job; chamava-lhe o pensador privado que medita na sua própria vida, por oposição ao professor de filosofia. Aliás, poderíamos igualmente ver elementos desta mesma tradição de inquietação religiosa num Pascal  , no século XVII, num Hamann, no final do século XVIII.

Estas duas tradições, uma insistindo na facticidade, outra na afetividade, juntaram-se já várias vezes na história da filosofia, em Pascal precisamente, no final do século XVIII em Jacobi e em Hamann, um pouco mais tarde em Schelling. E vemos já como a junção da categoria de facticidade e da categoria de emotividade ou de afetividade dá lugar a que surja a ideia de existência.

É necessário acrescentar mais alguns elementos aos que acabamos de mencionar para compreender as origens e o desenvolvimento da filosofia da existência.

Falamos do pensamento de Kierkegaard como estando na origem da filosofia da existência, mas é necessário não esquecer o pensamento de Nietzsche  . É incontestável que em Heidegger, em Jaspers  , e mesmo em Sartre  , o pensamento de Nietzsche teve uma grande influência.


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