Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Schopenhauer (SQRPRS:§41) – Sujeito do conhecer e objeto

terça-feira 30 de junho de 2020

Todo conhecimento pressupõe, de maneira incontornável, sujeito e objeto. Por essa razão, também a autoconsciência não é, sem mais, simples, mas desmembra-se, assim como a consciência de outras coisas (isto é, a faculdade de intuição), num conhecido e num cognoscente. Aqui o conhecido aparece total e exclusivamente como vontade.

De acordo com isso, o sujeito conhece a si mesmo apenas como querente, não, porém, como cognoscente. Pois o eu que representa, o sujeito do conhecer, jamais pode tornar-se, ele próprio, representação ou objeto – uma vez que, como o correlato necessário de todas as representações, é condição destas; a respeito dele vale a bela sentença do sagrado Upanixade: Id videndum non est: omnia videt; et id audiendum non est: omnia audit; sciendum non est: omnia scit; et intelligendum non est: omnia intelligit. Praeter id, videns, et sciens, et audiens, et intelligens ens aliud non est. [Não se pode vê-lo: ele tudo vê; não se pode ouvi-lo: ele tudo ouve; não se pode saber dele: ele tudo sabe, e não se pode conhecê-lo: ele conhece tudo. Além desse ente vidente, sábio, ouvinte e cognoscente, não existe nenhum outro.] – Oupnekhat, vol. I, p. 202. -

Em razão disso, não há, portanto, um conhecer do conhecer, porque para tanto seria exigível que o sujeito se separasse do conhecer, e então, todavia, conhecesse o conhecer, o que é impossível.

A objeção: “eu não conheço apenas, senão que sei também que conheço”, responderia: é somente na expressão que teu saber do teu conhecer é diferente de teu conhecer. “Eu sei que conheço” não diz mais do que “eu conheço”, e isso – assim, sem ulterior determinação – não diz mais do que “eu”. Se teu conhecer e teu saber desse conhecer são duas coisas distintas, tente então uma vez ter cada um deles, unicamente por si: conhecer agora, sem por causa disso saber; e agora apenas saber do conhecer, sem que esse saber seja ao mesmo tempo o conhecer. É certo que se pode fazer abstração de todo conhecer particular, e chegar assim à sentença: “eu conheço”, que é a derradeira abstração que nos possível, mas que é idêntica à sentença “há objetos para mim”, e esta, por sua vez, é idêntica a “eu sou sujeito”, o que não contém mais do que o mero “eu”.

Alguém poderia, no entanto, perguntar: se o sujeito não é conhecido, de onde nos seriam conhecidas suas diferentes forças de conhecimento, tais como sensibilidade, entendimento, razão? – Estas não nos são conhecidas porque o conhecer se tornou objeto para nós; caso contrário, não existiriam tantos juízos contraditórios a seu respeito. Elas são, muito antes, inferidas, ou, mais corretamente, são expressões gerais das classes de representações estabelecidas, que a todo tempo distinguimos de modo mais ou menos determinado, precisamente naquelas forças de conhecimento. Mas elas foram abstraídas daquelas representações com vistas a seu correlato necessário como sua condição, o sujeito, e, consequentemente, comportam-se em relação às classes de representações precisamente como o sujeito em geral em relação ao objeto em geral. Assim como, juntamente com o sujeito, o objeto é posto de imediato (uma vez que, se não fosse isso, a própria palavra não teria significação), e, do mesmo modo, com o objeto, o sujeito (e, portanto, ser sujeito significa tanto quanto ter um objeto; e ser objeto significa tanto quanto ser conhecido por um sujeito): precisamente do mesmo modo, então, com um objeto de alguma maneira determinado é posto também imediatamente o sujeito, como conhecendo exatamente dessa maneira. Nessa medida, é a mesma coisa se digo: os objetos têm tais e tais determinações que a eles são pertinentes e características; ou se digo: o sujeito conhece de tais e tais modos; e também se digo: os objetos devem ser divididos em tais classes; ou: ao sujeito são próprias tais diferentes forças de conhecimento. Também dessa compreensão encontra—se um rastro naquela prodigiosa mistura de profundidade e superficialidade que é Aristóteles, assim como nele já se encontra, de modo geral, o germe da filosofia crítica. No De anima   III, 8 [431b 21], diz ele: ή ψυχή τά ὄντα πώς ἐστι πάντα  · (anima quodammodo est universa, quae sunt) [a alma é, em certo sentido, tudo aquilo que é]; em seguida [432a 2]: ό νους ἐστί εἶδος εἶδων, quer dizer, ο entendimento é a forma das formas, και ή αἴσθησις εἶδος αἶσθητών, e a sensibilidade, a forma dos objetos dos sentidos. De acordo com isso, pois, é a mesma coisa se dizemos: a sensibilidade e o entendimento não são mais, ou: o mundo teve seu fim. É o mesmo se dizemos: não existem conceitos, ou: a razão desapareceu, e existem ainda apenas animais.

O desconhecimento dessa relação é motivo de combate entre realismo e idealismo, que por fim aparece como conflito do velho dogmatismo com os kantianos, ou da ontologia e da metafísica com a estética transcendental   e a lógica transcendental, o qual repousa sobre o desconhecimento daquela relação na consideração da primeira e da terceira classes de representações por mim estabelecidas; como o conflito entre racionalistas e nominalistas na Idade Média se baseava sobre o desconhecimento daquela relação com referência à segunda de nossas classes de representações.

[Excerto de SCHOPENHAUER  , Arthur. Sobre a Quadrúplice Raiz do Princípio de Razão Suficiente [SQRPRS]. Tr. Oswaldo Giacoia   Jr. & Gabriel Valladão Silva. Campinas: Editora UNICAMP, 2019]


Ver online : On the Fourfold Root of the Principle of Sufficient Reason and Other Writings