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Tempo e Narrativa III

Ricoeur (1985/1997:117-121) – A temporalização: por-vir, ter-sido, tornar-presente

Capítulo 3 - Temporalidade, historialidade, intratemporalidade

sábado 1º de julho de 2023, por Cardoso de Castro

Encontramos, pois, entre a articulação interna do Cuidado [Sorge  ] e a triplicidade do tempo uma relação quase kantiana de condicionalidade. Mas o “tornar-possível” heideggeriano difere da condição kantiana de possibilidade, pelo fato de que o próprio Cuidado possibilita toda a experiência humana.

Roberto Leal Ferreira

É só, como dissemos, no final do capítulo III da segunda seção, §§ 65-66, que Heidegger trata tematicamente da temporalidade em sua relação com o Cuidado. Nessas páginas, de uma densidade extrema, Heidegger ambiciona ir além da análise agostiniana do triplo presente e mais longe do que a análise husserliana da retenção-protensão, as quais, como vimos mais acima, ocupam o mesmo lugar fenomenológico. A originalidade de Heidegger é procurar no próprio Cuidado o princípio da pluralização do tempo como futuro, passado e presente. Desse deslocamento na direção do mais originário resultarão a promoção do futuro ao lugar ocupado até então pelo presente, e uma reorientação total das relações entre as três dimensões do tempo. O que exigirá o próprio abandono dos termos “futuro”, “passado”, “presente”, que Agostinho   não acreditara dever pôr em questão, por respeito à linguagem comum, a despeito de sua audácia em falar do presente do futuro, do presente do passado e do presente do presente.

O que buscamos, como é dito no início do § 65, é o sentido (Sinn  ) do Cuidado. Questão, não de visão, mas de compreensão e de interpretação: “Radicalmente falando, o ‘sentido’ significa o que orienta (woraufhin  ) o projeto primordial da compreensão do ser”; “o sentido significa o oriente (woraufhin) do projeto primordial, em virtude de que algo pode ser concebido como (als) o que é, em sua possibilidade” [324]. [1]

Encontramos, pois, entre a articulação interna do Cuidado e a triplicidade do tempo uma relação quase kantiana de condicionalidade. Mas o “tornar-possível” heideggeriano difere da condição kantiana de possibilidade, pelo fato de que o próprio Cuidado possibilita toda a experiência humana. [117]

Essas considerações sobre a possibilitação, inscrita no Cuidado, já anunciam o primado do futuro no percurso da estrutura articulada do tempo. O elo intermediário do raciocínio é fornecido pela análise precedente da antecipação resoluta, ela própria oriunda da meditação sobre o ser-para-o-fim e sobre o ser-para-a-morte. Mais do que o primado do futuro: a reinscrição do termo “futuro”, tomado da linguagem cotidiana, no idioma apropriado à fenomenologia hermenêutica. Um advérbio, melhor do que um substantivo, serve aqui de guia, a saber, o zu de Sein  -zum-Ende   e de Sein-zum-Tode, que podemos aplicar sobre o zu da expressão corrente Zu-kunft   (por vir). Ao mesmo tempo, o kommen   — “vir” — assume também um relevo novo, ao juntar a potência do verbo à do advérbio, em lugar do substantivo “futuro”; no Cuidado, o ser-aí visa advir a si mesmo segundo suas possibilidades mais próprias. Advir a (Zukommen) é a raiz do futuro: “Deixar-se advir a si (sich auf   sich zukommen-lassen  ) é o fenômeno originário do por-vir (Zukunft)” [325]. É essa a possibilidade inclusa na antecipação resoluta: “A antecipação (Vorlaufen  ) torna o ser-aí autenticamente por-vir, de tal sorte que o ser-aí, como ente desde sempre, advém a si, ou seja, é em seu ser enquanto tal por-vir (Zukünftig) [325]. [2]

A significação nova que reveste o futuro permite discernir, entre as três dimensões do tempo, relações inusitadas de íntima implicação mútua.

É pela implicação do passado pelo futuro que Heidegger começa, adiando, assim, a relação de ambos com o presente, que estava no centro das análises de Agostinho e de Husserl  .

A passagem do futuro ao passado cessa de constituir uma transição extrínseca, porque o ter-sido parece chamado pelo por-vir e, em certo sentido, contido nele. Não há reconhecimento em geral sem reconhecimento de dívida e de responsabilidade; daí que a própria resolução implique que assumamos a culpa e seu momento de derrelição (Geworfenheit  ). Ora, “assumir a derrelição significa que o ser-aí seja autenticamente no estado em que a cada vez ele já era (in dem, wie es je schon war)” [325]. O importante aqui é que o imperfeito do verbo ser — “era” — e o [118] advérbio que o sublinha — “já” — não se separam do ser, mas que o “tal como ele já era” traz a marca do “eu sou”, como é possível dizê-lo em alemão: “ich   bin-gewesen  ” [326] (“eu sou-sido”). Podemos então dizer, abreviando: “Autenticamente por-vir é o ser-aí autenticamente tendo-sido” (Ibid. ). Essa abreviação é a mesma do retorno sobre si inerente a toda tomada de responsabilidade. Assim, o tendo-sido procede do por-vir. O tendo-sido, e não o passado, se for preciso entender com isso o passado das coisas passadas que opomos, no plano da presença dada e da maneabilidade, à abertura das coisas futuras. Não consideramos evidente que o passado é determinado e o futuro, aberto? Mas essa assimetria, separada de seu contexto hermenêutico, não permite entender a relação intrínseca do passado com o futuro. [3]

Quanto ao presente, longe de gerar o passado e o futuro ao se multiplicar, como em Agostinho, é a modalidade da temporalidade cuja autenticidade é mais dissimulada. Há, por certo, uma verdade da cotidianidade em seu comércio com as coisas dadas e manejáveis. Nesse sentido, o presente é realmente o tempo da preocupação. Mas ele não deve ser concebido com base no modelo da presença dada das coisas de nossa preocupação, mas como uma implicação do Cuidado. É por intermédio da situação, oferecida a cada vez à resolução, que podemos repensar o presente de modo existencial; será preciso, então, falar de “presentar”, no sentido de “tornar presente”, mais do que de presente: [4] “É apenas como presente (Gegenwart  ), tomado no sentido de ‘presentar’ (gegenwärtigen), que a resolução pode ser o que é, a saber, que ela se deixa encontrar sem escapatória pelo fato de que só se apreende ao agir” [326],

Por vir e retorno a si são, assim, incorporados à resolução, uma vez que esta se insere na situação tornando-a presente, presentando-a.

A temporalidade é agora a unidade articulada do por-vir, do ter-sido e do presentar, que são, assim, dados a pensar juntos: “O fenômeno que oferece tal unidade de um por-vir que torna presente no processo de ter-sido, chamamo-lo temporalidade” [326]. [119]

Podemos ver em que sentido essa espécie de dedução de uma pela outra das três modalidades temporais responde ao conceito de possibilitação mencionado anteriormente: “A temporalidade possibilita (ermöglicht) a unidade da existência, da factualidade e da queda” [328], Esse novo estatuto do “tornar-possível” exprime-se na substituição do substantivo pelo verbo: “A temporalidade não ‘é’ de modo algum um ente. Ela não é, mas temporaliza-se” (ibid.). [5]

Se a invisibilidade do tempo em seu conjunto já não é um obstáculo ao pensamento, desde que pensemos a possibilidade como possibilitação e a temporalidade como temporalização, o que permanece tão opaco em Heidegger quanto em Agostinho é a triplicidade interna a essa integralidade estrutural: as expressões adverbiais — o “ad” do por-vir, o “já” do ter-sido, o “junto a” da preocupação — assinalam no próprio nível da linguagem a dispersão que mina por dentro a articulação unitária. O problema agostiniano do triplo presente encontra-se simplesmente transferido para a temporalização em seu conjunto. Ao que parece, só podemos apontar para esse problema intratável, designá-lo com o termo grego ekstatikon e declarar: “A temporalidade é o ‘fora-de-si’ (Ausser  -sich) originário, em si e para si” [6]. [329].

É preciso, ao mesmo tempo, corrigir a ideia da unidade estrutural do tempo pela da diferença de seus ek-stases. Essa diferenciação é intrinsecamente implicada pela temporalização, na medida em que esta é um processo que agrupa dispersando. [7] A passagem do futuro ao passado e ao presente é ao mesmo tempo unificação e diversificação. Eis aí reintroduzido de uma vez o enigma da distentio animi, embora o presente já não seja seu suporte. E por razões vizinhas. Agostinho, lembremo-nos, estava preocupado em dar conta do caráter extensível do tempo, que nos faz falar de tempo curto e tempo longo. Para Heidegger também, o que ele considera a concepção vulgar, a saber, a sucessão de “agoras” exteriores uns aos outros, encontra um aliado secreto na exteriorização primordial de que exprime apenas o nivelamento: o nivelamento é nivelamento desse traço de exterioridade. Desse nivelamento, só poderemos tratar com vagar depois de termos desdobrado os níveis hierárquicos de temporalização: temporalidade, [120] historialidade, intratemporalidade, na medida em que o que ele afeta de modo privilegiado é o modo mais longinquamente derivado, a intratemporalidade. No entanto, é lícito perceber no fora-de-si (Ausssersich) da temporalidade primordial o princípio de todas as formas ulteriores de exteriorização e do nivelamento que o afetarão. Coloca-se, então, a questão de saber se a derivação dos modos menos autênticos não dissimula a circularidade de toda a análise. Já não se anuncia o tempo derivado no fora-de-si da temporalidade originária?

Original

Ce n’est, comme on l’a dit, qu’au terme du chapitre III de la seconde section, § 65-66, que Heidegger traite thématiquement de la temporalité dans son rapport au Souci. Dans ces pages, d’une densité extrême, Heidegger ambitionne d’aller au-delà de l’analyse augustinienne du triple présent et plus loin que l’analyse husserlienne de la rétention-protention, lesquelles, on l’a vu plus haut, occupent le même lieu phénoménologique. L’originalité de Heidegger est de chercher dans le Souci lui-même le principe de la pluralisation du temps en futur, passé et présent. De ce déplacement vers le plus originaire résulteront la promotion du futur à la place occupée jusque-là par le présent, et une réorientation entière des rapports entre les trois dimensions du temps. Ce qui exigera l’abandon même des termes « futur », « passé », « présent » qu’Augustin n’avait pas cru devoir mettre en question par respect pour le langage ordinaire, en dépit de son audace à parler du présent du futur, du présent du passé et du présent du présent.

Ce que nous cherchons, est-il dit au début du § 65, c’est le sens (Sinn) du Souci. Question, non de vision, mais de compréhension et d’interprétation : « A parler radicalement, le “sens” signifie ce qui oriente (woraufhin) le projet primordial de la compréhension de l’être » ; « le sens signifie l’orient   (woraufhin) du projet primordial, en fonction de quoi quelque chose peut être conçu en tant que (als) ce qu’il est, dans sa possibilité » [324].

On trouve donc entre l’articulation interne du Souci et la triplicité du temps un rapport quasi kantien de conditionnalité. Mais le « rendre-possible » heideggerien diffère de la condition kantienne de possibilité, en ce que le Souci lui-même possibilise toute expérience humaine.

Ces considérations sur la possibilisation, inscrite dans le Souci, annoncent déjà le primat du futur dans le parcours de la structure articulée du temps. Le chaînon intermédiaire du raisonnement est fourni par l’analyse précédente de l’anticipation résolue, elle-même issue de la méditation sur l’être-pour-la-fin et sur l’être-pour-la-mort. Plus que le primat du futur : la réinscription du terme « futur », emprunté au langage quotidien, dans l’idiome approprié à la phénoménologie herméneutique. Un adverbe, mieux qu’un substantif, sert ici de guide, à savoir le zu de Sein-zum-Ende et de Sein-zum-Tode, qu’on peut appliquer sur le zu de l’expression courante Zu-kunft (à venir). Du même coup, le kommen — « venir » — prend aussi un relief nouveau en joignant la puissance du verbe à celle de l’adverbe, au lieu et place du substantif « futur » ; dans le Souci, l’être-là vise à advenir vers soi-même selon ses possibilités les plus propres. Advenir vers (Zukommen) est la racine du futur : « Se laisser advenir à soi (sich auf sich zukommen-lassen) est le phénomène originaire de l’à-venir (Zukünftig) » [325]. Telle est la possibilité incluse dans l’anticipation résolue : « L’anticipation (Vorlaufen) rend l’être-là authentiquement à-venir, de telle sorte que l’être-là, en tant qu’étant dès toujours, advient à soi, autrement dit est dans son être en tant que tel à-venir (zukünftig) » [325].

La signification nouvelle que revêt le futur permet de discerner, entre les trois dimensions du temps, des relations inusitées d’intime implication mutuelle.

C’est par l’implication du passé par le futur que commence Heidegger, ajournant ainsi le rapport de l’un et l’autre au présent qui était au centre des analyses d’Augustin et de Husserl.

Le passage du futur au passé cesse de constituer une transition extrinsèque, parce que l’avoir-été paraît appelé par l’à-venir et, en un sens, contenu en lui. Il n’est pas de reconnaissance en général sans reconnaissance de dette et de responsabilité ; de là que la résolution elle-même implique que l’on prenne sur soi la faute, et son moment de déréliction (Geworfenheit). Or « assumer la déréliction signifie que l’être-là soit authentiquement en l’état où chaque fois il était déjà (in dem, wie es je schon war) » [325]. L’important ici est que l’imparfait du verbe être — « était » — et l’adverbe qui le souligne — « déjà » — ne se séparent pas de l’être, mais que le « tel qu’il était déjà » porte la marque du « je suis », comme il est possible de le dire en allemand : « ich bin-gewesen » [326] (« je suis-été »). On peut alors dire, en raccourci : « Authentiquement à-venir est l’être-là authentiquement ayant-été » (ibid.). Ce raccourci est celui même du retour sur soi inhérent à toute prise de responsabilité. Ainsi, l’ayant-été procède-t-il de l’à-venir. L’ayant-été, et non le passé, s’il faut entendre par là le passé des choses passées que nous opposons, au plan de la présence donnée et de la maniabilité, à l’ouverture des choses futures. Ne tenons-nous pas pour évident que le passé est déterminé et le futur ouvert ? Mais cette asymétrie, séparée de son contexte herméneutique, ne permet pas d’entendre le rapport intrinsèque du passé au futur.

Quant au présent, loin d’engendrer le passé et le futur en se démultipliant, comme chez Augustin, il est la modalité de la temporalité dont l’authenticité est la plus dissimulée. Il y a certes une vérité de la quotidienneté dans son commerce avec les choses données et maniables. En ce sens, le présent est bien le temps de la préoccupation. Mais il ne doit pas être conçu sur le modèle de la présence donnée des choses de notre préoccupation, mais comme une implication du Souci. C’est par l’intermédiaire de la situation  , chaque fois offerte à la résolution, que l’on peut repenser le présent sur le mode existential ; il faudra alors parler de « présenter », au sens de « rendre présent », plutôt que de présent : « Ce n’est que comme présent (Gegenwart), pris au sens de “présenter”, (gegenwärtigen), que la résolution peut être ce qu’elle est : à savoir qu’elle se laisse rencontrer sans échappatoire par ce dont elle ne se saisit qu’en agissant » [326].

A-venir et retour sur soi sont ainsi incorporés à la résolution, dès lors que celle-ci s’insère dans la situation en la rendant présente, en la présentant.

La temporalité est désormais l’unité articulée de l’àvenir, de l’avoir-été et du présenter, qui sont ainsi donnés à penser ensemble : « Le phénomène qui offre pareille unité d’un à-venir qui rend présent dans le procès d’avoir-été, nous le nommons la temporalité » [326].

On voit en quel sens cette sorte de déduction l’une par l’autre des trois modalités temporelles répond au concept de possibilisation évoqué plus haut : « La temporalité possibilise (ermöglicht) l’unité de l’existence, de la factualité et de la déchéance » [328]. Ce statut nouveau du « rendre-possible » s’exprime dans la substitution du verbe au substantif : « La temporalité n’“est” pas du tout un étant. Elle n’est pas, mais se temporalise » (ibid.).

Si l’invisibilité du temps dans son ensemble n’est plus un obstacle à la pensée, dès lors que nous pensons la possibilité comme possibilisation et la temporalité comme temporalisation, ce qui demeure aussi opaque chez Heidegger que chez Augustin, c’est la triplicité interne à cette intégralité structurale : les expressions adverbiales — le « ad » de l’à-venir, le « déjà » de l’avoir-été, le « auprès de » de la préoccupation — signalent au niveau même du langage la dispersion qui mine de l’intérieur l’articulation unitaire. Le problème augustinien du triple présent se trouve tout simplement reporté sur la temporalisation prise dans son ensemble. On ne peut, semble-t-il, que pointer vers ce phénomène intraitable, le désigner du terme grec d’ekstatikon, et déclarer : « La temporalité est le “hors-de-soi” (Ausser-sich) originaire, en soi et pour soi » [329]. Il faut du même coup corriger l’idée de l’unité structurale du temps par celle de la différence de ses ek-stases. Cette différenciation est intrinsèquement impliquée par la temporalisation, en tant que celle-ci est un procès qui rassemble en dispersant. Le passage du futur au passé et au présent est à la fois unification et diversification. Voilà, d’un seul coup, réintroduite l’énigme de la distentio animi, bien que le présent n’en soit plus le support. Et pour des raisons voisines. Augustin, on s’en souvient, était soucieux de rendre compte du caractère extensible du temps, qui nous fait parler de temps court et de temps long. Pour Heidegger aussi, ce qu’il tient pour la conception vulgaire, à savoir la succession de « maintenant » extérieurs les uns aux autres, trouve un allié secret dans l’extériorisation primordiale dont elle exprime seulement le nivellement : le nivellement est nivellement de ce trait d’extériorité. De ce nivellement, nous ne pourrons traiter à loisir qu’après avoir déployé les niveaux hiérarchiques de temporalisation : temporalité, historialité, intra-temporalité, dans la mesure où ce qu’il affecte par privilège est le mode le plus lointainement dérivé, l’intra-temporalité. Néanmoins, il est permis d’apercevoir dans le hors-de-soi (Aussersich) de la temporalité primordiale le principe de toutes les formes ultérieures d’extériorisation et du nivellement qui l’affecteront. La question se pose alors de savoir si la dérivation des modes les moins authentiques ne dissimule pas la circularité de toute l’analyse. Le temps dérivé ne s’annonce  -t-il pas déjà dans le hors-de-soi de la temporalité originaire ?


Ver online : Paul Ricoeur


RICOEUR, P. Temps et récit III. Le temps raconté. Paris: Éd. du Seuil, 1985.


[1O programa inicial de Ser e tempo, explicitamente declarado na introdução”, era reconduzir à “questão do sentido do ser” ao final da analítica do ser-aí. Se a obra publicada não preenche esse programa, a hermenêutica do Cuidado preserva pelo menos a sua intenção, vinculando com força o projeto inerente à Cura ao “projeto primordial de compreensão do ser” [324]. Os projetos humanos, com efeito, só são projetos em virtude desse enraizamento último: “Esses projetos encerram em si um Oriente (ein Voraufhin) de que se nutre, por assim dizer, a compreensão do ser” (Ibid.).

[2O prefixo vor tem a mesma força expressiva que o zu de Zukunft. Encontra-mo-lo incluído na expressão Sich vorweg, em-frente-de-si, que define o Cuidado em toda sua amplidão, em equivalência com o vir-a-si.

[3Essa distinção entre o ter-sido, intrinsecamente implicado no por-vir, e o passado, extrinsecamente distinguido do futuro, será da maior importância quando discutirmos o estatuto do passado histórico (seção II, cap. III).

[4Poder-se-ia dizer: presentificar (Marianne Simon, op. cit, p. 82): mas o termo Já foi empregado, num contexto husserliano, para traduzir o Vergegenwärtigen, mais próximo da representação do que da presentação.

[5Se podemos dizer que a temporalidade é assim pensada como temporalização, a relação última entre Zeit e Sein, em compensação, permanece em suspenso enquanto a ideia do ser não for esclarecida. Ora, essa lacuna não será preenchida em Ser e tempo. A despeito desse inacabamento, podemos creditar a Heidegger a solução dada a uma das aporias maiores do problema do tempo, a saber, sua invisibilidade como totalidade única.

[6“A essência da temporalidade é a temporalização na unidade dos ek-stases”

[7Uma “igual originariedade” (Gleichursprunglichkeit) [329] dos três ek-stases resulta da diferença entre os modos de temporalização: “No interior dessa equi-originariedade, os modos de temporalização são diferentes. E a diferenciação consiste no fato de que a temporalização pode diferenciar-se primariamente a partir dos diferentes ek-stases” [329].