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Ortega y Gasset: A VIDA PESSOAL

quarta-feira 23 de março de 2022

Extrato do livro "O Homem e a Gente". Trad. J. Carlos Lisboa. Livro Ibero-Americano, 1960.

Conforme vamos tomando posse da vida e encarregando-nos dela, averiguamos que, quando chegamos a ela, os demais se tinham ido e que temos de viver o nosso radical viver. . . sozinhos, e que, somente em nossa solidão, somos nossa verdade.

Desse fundo de solidão radical que é, sem remédio, nossa vida, emergimos constantemente em uma ânsia, não menos radical, de companhia. Quereríamos achar aquele cuja vida se fundisse integramente, se interpenetrasse com a nossa. Para tanto, fazemos as mais várias tentativas. Uma é a amizade. Mas a suprema entre elas é a que chamamos de amor. O autêntico amor não é senão a tentativa de permutar duas solidões.

À solidão que somos pertencem, — e fazem parte essencial dela, — todas as coisas e seres do universo, que estão aí em nosso redor, formando nosso contorno, articulando nossa circunstância sem que jamais se fundam com o cada um que o homem é, — e que, ao contrário, são sempre o outro, o absolutamente outro, — um elemento estranho e sempre mais ou menos estorvante, negativo e hostil, no melhor caso: não-coincidente, que, por isso, advertimos como alheio e fora de nós, como o forasteiro, — porque nos oprime, comprime e reprime: o mundo.

Vemos, pois, diante de toda a filosofia idealista e solipsista, que nossa vida põe, com idêntico valor de realidade, estes dois termos: o alguém, o X, o Homem que vive, e o mundo, contorno ou circunstância em que tem de viver, queira ou não queira.

Nesse mundo, contorno ou circunstância é que precisamos de buscar uma realidade que, com todo rigor, diferenciando-se de todas as demais, possamos e devamos chamar "social".


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