Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

Página inicial > Fenomenologia > Merleau-Ponty (1945/2006:ii-iii) – sou a fonte absoluta

Merleau-Ponty (1945/2006:ii-iii) – sou a fonte absoluta

sábado 30 de agosto de 2014

Ribeiro de Moura

Trata-se de descrever, não de explicar nem de analisar. Essa primeira ordem que Husserl   dava à fenomenologia iniciante de ser uma “psicologia descritiva” ou de retornar “às coisas mesmas” é antes de tudo a desaprovação da ciência. Eu não sou o resultado ou o entrecruzamento de múltiplas causalidades que determinam meu corpo ou meu “psiquismo”, eu não posso pensar-me como uma parte do mundo, como o simples objeto da biologia, da psicologia e da sociologia, nem fechar sobre mim o universo da ciência. Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda. A ciência não tem e não terá jamais o mesmo sentido de ser que o mundo percebido, pela simples razão de que ela é uma determinação ou uma explicação dele. Eu sou não um “ser vivo” ou mesmo um “homem” ou mesmo “uma consciência”, com todos os caracteres que a zoologia, a anatomia social ou a psicologia indutiva reconhecem a esses produtos da natureza ou da história — eu sou a fonte absoluta; minha experiência não provém de meus antecedentes, de meu ambiente físico e social, ela caminha em direção a eles e os sustenta, pois sou eu quem faz ser para mim (e portanto ser no único sentido que a palavra possa ter para mim) essa tradição que escolho retomar, ou este horizonte [4] cuja distância em relação a mim desmoronaria, visto que ela não lhe pertence como uma propriedade, se eu não estivesse lá para percorrê-la com o olhar. As representações científicas segundo as quais eu sou um momento do mundo são sempre ingênuas e hipócritas, porque elas subentendem, sem mencioná-la, essa outra visão, aquela da consciência, pela qual antes de tudo um mundo se dispõe em torno de mim e começa a existir para mim. Retornar às coisas mesmas é retornar a este mundo anterior ao conhecimento do qual o conhecimento sempre fala, e em relação ao qual toda determinação científica é abstrata, significativa e dependente, como a geografia em relação à paisagem — primeiramente nós aprendemos o que é uma floresta, um prado ou um riacho.

Original

Il s’agit de décrire, et non pas d’expliquer ni d’analyser. Cette première consigne que Husserl donnait à la phénoménologie commençante d’être une « psychologie   descriptive » ou de revenir « aux choses mêmes », c’est d’abord le désaveu de la science. Je ne suis pas le résultat ou l’entrecroisement des multiples causalités qui déterminent mon corps ou mon « psychisme », je ne puis pas me penser comme une partie du monde, comme le simple objet de la biologie  , de la psychologie et de la sociologie  , ni fermer sur moi l’univers de la science. Tout ce que je sais du monde, même par science, je le sais à partir d’une vue mienne ou d’une expérience du monde sans laquelle les symboles de la science ne voudraient rien dire. Tout l’univers de la science est construit sur le monde vécu et si nous voulons penser la science elle-même avec rigueur, en apprécier exactement le sens et la portée, il nous faut réveiller d’abord cette expérience du monde dont elle est l’expression seconde. La science n’a pas et n’aura jamais le même sens d’être que le monde perçu pour la simple raison qu’elle en est une détermination ou une explication. Je suis non pas un « être vivant » ou même un « homme » ou même « une conscience », avec tous les caractères que la zoologie, l’anatomie sociale ou la psychologie inductive reconnaissent à ces produits de la nature ou de l’histoire, — je suis la source absolue, mon existence ne vient pas de mes antécédents, de mon entourage physique et social, elle va vers eux et les soutient, car c’est moi qui fais être pour moi (et donc être au seul sens que le mot puisse avoir pour moi) cette tradition   que je choisis de reprendre ou cet horizon   dont la distance à moi s’effondrerait, puisqu’elle ne lui appartient pas comme une propriété, si je n’étais là pour la parcourir du regard. Les vues scientifiques selon lesquelles je suis un moment du monde sont toujours naïves et hypocrites, parce qu’elles sous-entendent, sans la mentionner, cette autre vue, celle de la conscience, par laquelle d’abord un monde se dispose autour de moi et commence à exister pour moi. Revenir aux choses mêmes, c’est revenir à ce monde avant la connaissance dont la connaissance parle toujours, et à l’égard duquel toute détermination scientifique est abstraite, signitive et dépendante, comme la géographie à l’égard du paysage où nous avons d’abord appris ce que c’est qu’une forêt, une prairie ou une rivière.

[MERLEAU-PONTY  , Maurice. Fenomenologia da Percepção. Tr. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 3-4]


Ver online : Maurice Merleau-Ponty