Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Marques Cabral (2017:64-65) – ser-aí não possui nenhuma propriedade ontológica

quarta-feira 7 de fevereiro de 2024

“A essência do ser-aí consiste em sua existência”. Essa identificação de essência e existência é, inicialmente, uma afronta à tradição escolástica e neo-escolástica cristã. Isso porque, como sabido, para metafísica cristã, somente Deus tem como essência seu ato de ser (actus essendi). Considerando o ser como o semantema primário do ente, ou seja, o ato último do qual todos os caracteres ontológicos do ente (como acidentes, forma, matéria, etc.) dependem, ele somente pode ser distinto da essência de um ente, caso este ente seja composto. Como Deus é ato puro, Ele é simples. Consequentemente, não há como distinguir nele essência e existência. Como afirmou Tomás de Aquino  : “Porque o ser é a atualização de qualquer forma ou natureza. Não se entende a bondade ou a humanidade em ato, a não ser enquanto as entendemos como existindo. É preciso então que seja referido à essência, que é distinta dele, como o ato em relação à potência. E como em Deus nada é potencial, como já se mostrou, segue-se que nele a essência não é distinta de seu ser. Sua essência é, portanto, seu ser”. [1] Ao dizer que a essência do ser-aí é existência, Heidegger está pervertendo nitidamente o sentido da sentença escolástica acerca da identidade de ser e essência em Deus. Não se trata de uma deificação do ser-aí, mas, antes disso, interessa a Heidegger mostrar que o que o ser-aí é já é fruto de um modo existencial de ser, pois a priori   o ser-aí não possui nenhuma propriedade ontológica. Seu ser é sempre a cada vez conquista existencial, o que significa dizer que o conceito de existência transforma o ser-aí em um serperformático, ou seja, para ser, o ser-aí deve exercitar-se, ou melhor, sendo, o ser-aí vem a ser quem é. Para que se compreenda esse caráter [64] performático do ser-aí, é necessário articular dois conceitos centrais em Ser e tempo  : compreensão e poder-ser.

[MARQUES CABRAL  , Alexandre. Heidegger em Bultmann   : da destruição fenomenológica à desmitologização teológica. Rio de Janeiro : Via Verita, 2017]


Ver online : Alexandre Marques Cabral


[1Sum. Teol. I, q. 3, art. 4, resp.2