Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Luijpen: Existir como ser-consciente-no-mundo

quinta-feira 1º de junho de 2017

Já dissemos que não teria o menor sentido "refutar" o materialismo e o espiritualismo, como se com isso quiséssemos eliminar de nosso pensamento qualquer das duas tendências, empreendimento equivalente à ideia de que tanto o materialismo como o espiritualismo não apresentam nenhuma verdade digna de menção. A fenomenologia existencial procura expressamente trilhar um caminho intermediário, conservando o que viram "propriamente" o espiritualismo e o materialismo, mas evitando os exageros dessas duas tendências de pensamento.

Com o espiritualismo afirma ela o ser-sujeito do homem. O sujeito que é o homem não constitui, porém, um Sujeito Absoluto: é um sujeito "existente". O homem como sujeito [52] é "existência". [1] Esse termo técnico há de ser tomado ao pé da letra: o homem como sujeito ex-sistit, coloca-se fora de si mesmo. [2]

O que se entende, contudo, por "fora" da subjetividade humana ? No momento, a questão só pode ser posta e respondida dentro do quadro da luta entre o materialismo e o espiritualismo. Por isso diz a resposta, sob o influxo do materialismo: o "fora" da subjetividade humana é a "coisa", compreendida aqui como a realidade do corpo e do mundo humanos. Ambos, embora de modo bem diferentes, são denominados o "fora" do sujeito, por haver uma insuperável não-identidade entre o sujeito e a "coisa". Essa identidade, entretanto, pode dar azo a algum mal-entendido. De fato, a alegação de que a subjetividade humana se chama uma subjetividade existente significa exatamente que o sujeito de nenhum modo é o que é sem estar mergulhado no corpo e enredado no mundo. Sem corpo nem mundo o sujeito não é aquilo que ele mesmo é, ou seja, sujeito humano, precisando, pois, do que ele não é — corpo e mundo — a fim de poder ser sujeito. [3] O homem como existência não é nem uma coisa, nem um Sujeito Absoluto; o ser do homem é ser-ai (Dasein  ), sendo que o termo ai (em alemão, a palavra Da) indica o caráter ec-cêntrico da subjetivade humana. [4]

Como a existência é uma subjetividade existente, não basta dizer que o ser do homem é um ser-no-mundo. O materialista poderia empregar precisamente a mesma formulação, pretendendo asseverar que o homem é uma partícula da evolução do cosmos. Mesmo, porém, que se fique longe de uma tão grosseira interpretação das coisas, a expressão "ser-no-mundo" não faz ver o que há de próprio no "ser-no" do homem. Com efeito, o homem não está no mundo como um lápis numa gaveta ou um charuto em sua caixeta. [5] Só se pode falar de um [53] charuto "em" uma caixeta se o sujeito existente percorre com a vista a distância do charuto em relação aos lados da caixeta. O "ser-em" característico do homem é o "ser-em" de um sujeito: o ser do homem é ser-consciente-no-mundo. Para não desconhecer o alcance do sujeito devemos usar com referência ao "ser-em" do homem termos como "morar", "manter-relações-com", "estar-presente-a", "encontrar-se" e "ser-familiar-com", termos que supõem claramente o sujeito. [6]

Seria um mal-entendido, entretanto, pensar que o homem deve chamar-se ser que-se-encontra-no-mundo devido ao fato acidental de haver um mundo. Nesse caso, o ser-consciente-no-mundo não constituiria o ser do homem; o mundo não pertenceria ao ser do homem; o ser-consciente deveria ser tal, mesmo sem o mundo. A ideia da existência’ porém, quer precisamente exprimir que a subjetividade humana não é real sem o mundo. [7] Quer significar que o mundo pertence à essência do homem, de modo que, deixando-se de lado o pensamento do mundo, também o sujeito não pode mais ser afirmado.


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[1"O mérito da nova filosofia consiste justamente em procurar na noção de existência o meio de pensar (a condição humana). A existência no sentido moderno é o movimento pelo qual o homem está no mundo, comprometendo-se numa situação física e social que se torna sua visão do mundo". Merleau-Ponty, Sens et Non-sens, p. 143.

[2"O polo não é nada, o que significa que não ’é’ à moda de uma coisa, que não é localizável, não é um ser no mundo. Não ’é’ senão na medida em que existe, e não existe (’ek-siste’) senão projetando-se para; não é senão enquanto está alhures, fora-de-si-no-mundo". Francis Jeanson, La phénoménologie, Paris, 2.a ed., 1951, p. 75.

[3"A primeira verdade é de fato ’eu penso’, mas sob a condição de se entender com isso ’sou para mim’ estando no mundo". Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception, p. 466.

[4SZ, p. 11.

[5SZ, p. 54.

[6"O estar-em significa tão pouco uma presença espacial (’dentro de’) como o ’em’ original não implica de modo algum semelhante relação; ’in’ (o correspondente alemão de ’em’) origina-se de ’innanwohnen’ (morar em), habitar, demorar-se; ’an’ significa: ’estou acostumado’, ’sou íntimo de’, ’cuido de alguma coisa’; tem o significado de ’colo’ no sentido de ’habito’ e ’diligo’". SZ, p. 54.

[7"Se o sujeito está em situação… é porque não realiza sua ipsei-dade senão sendo efetivamente corpo e entrando por ele no mundo". Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception, p. 467.