Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

Página inicial > Fenomenologia > Lévinas (1990/2004:147-148) – O “eu” como substância e o saber

Lévinas (1990/2004:147-148) – O “eu” como substância e o saber

sexta-feira 16 de fevereiro de 2024

Paul Albert Simon

Na corrente da consciência que constitui nossa vida no mundo, o eu se mantém como algo idêntico através da multiplicidade mutável do devir. Quaisquer que sejam os traços que a vida imprime sobre nós, modificando nossos hábitos e nosso caráter, mudando constantemente o conjunto dos conteúdos que formam nosso ser, um invariável permanece. [103] O “eu” se conserva para ligar um ao outro os fios multicores de nossa existência.

O que significa essa identidade? Somos levados a considerá-la como a identidade de uma substância. O “eu” seria um ponto indestrutível, do qual emanam atos e pensamentos sem afetá-lo por suas variações e multiplicidade. Mas a multiplicidade dos acidentes pode não afetar a identidade da substância? As relações da substância com os acidentes são tantas quantas as modificações dessa substância — e dessa forma a ideia de substância aparece numa regressão ao infinito. É nesse momento que a noção do saber permite manter a identidade da substância sob a variação dos acidentes. O saber é uma relação com aquilo que, por excelência, permanece exterior; a relação com o que fica fora de toda relação; um ato que mantém o agente fora dos eventos que ele cumpre. A ideia do saber — relação e ato fora de classificação — permite fixar a identidade do “eu”, guardá-lo encerrado em seu segredo. Ele se mantém sob as variações da história — uma história que o afeta como objeto sem afetá-lo em seu ser. Portanto, o “eu” é idêntico porque é consciência. A substância por excelência é o sujeito. O saber é o segredo de sua liberdade para com tudo o que lhe acontece. E sua liberdade garante sua identidade. É graças à liberdade do saber que o “eu” pode permanecer como uma substância sob os acidentes de sua história. A liberdade do “eu” é sua substancialidade; ela somente é uma outra palavra para o fato de que a substância não está engajada na variação de seus acidentes. Longe de ultrapassar a concepção substancialista do eu, o idealismo a preconiza sob uma forma radical. O “eu” não é uma substância dotada de pensamento: ele é substância porque ele é dotado de pensamento.

original

Dans le courant de la conscience qui constitue notre vie dans le monde, le moi se maintient comme quelque chose d’identique à travers la multiplicité changeante du devenir. Quelles que soient les traces que la vie nous imprime en modifiant nos habitudes et notre caractère, en changeant constamment l’ensemble des contenus qui forment notre être, un invariable demeure. Le « je » reste là pour relier l’un à l’autre les fils multicolores de notre existence.

Que signifie cette identité ? Nous sommes portés à la considérer comme l’identité d’une substance. Le « je » serait un point indestructible, dont émanent actes et pensées sans l’affecter par leurs variations et leur multiplicité. Mais la multiplicité des accidents peut-elle ne pas affecter l’identité de la substance ? Les relations de la substance avec les accidents sont autant de modifications de cette substance, et dès lors l’idée de substance apparaît dans une régression à l’infini. C’est alors que la notion du savoir permet de maintenir l’identité de la substance sous la variation des accidents. Le savoir est une relation avec ce qui, par excellence, demeure extérieur, la relation avec ce qui reste en dehors de toute relation, un acte qui maintient l’agent en dehors des événements qu’il accomplit. L’idée du savoir — relation et acte hors rang — permet de fixer l’identité du « je », de le garder [148] enfermé dans son secret. Il se maintient sous les variations de l’histoire qui l’affecte en tant qu’objet, sans l’affecter dans son être. Le « je » est donc identique parce qu’il est conscience. La substance par excellence, c’est le sujet. Le savoir est le secret de sa liberté à l’égard de tout ce qui lui arrive. Et sa liberté garantit son identité. C’est grâce à la liberté du savoir que le « je » peut demeurer comme une substance sous les accidents de son histoire. La liberté du « je », c’est sa substantialité ; elle n’est qu’un autre mot pour le fait que la substance n’est pas engagée dans la variation de ses accidents. Loin de dépasser la conception substantialiste du moi, l’idéalisme la préconise sous une forme radicale. Le je n’est pas une substance douée de pensée ; il est substance parce qu’il est doué de pensée.

[LÉVINAS, Emmanuel. De l’existence à l’existant. 2e éd. augm ed. Paris: J. Vrin, 1990]

[LÉVINAS, Emmanuel. Da Existência ao Existente. Tr. Paul Albert Simon. Campinas: Papirus, 1998]


Ver online : Emmanuel Lévinas