Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Kisiel (1995:121-122) – o eu puro ou pontual

sexta-feira 5 de janeiro de 2024

tradução

O conceito supostamente "psicológico" de experiência tem de ser definido originalmente, para além das alternativas "objetos - experiências", fora de um contexto em que literalmente "faz sentido" falar de "experiência". Também não é suficiente considerar todas as experiências como "relacionadas com o Eu", como se o Eu fosse imediatamente encontrado nelas. O "eu puro" ou "eu-pontual" apenas vem à boleia, não realiza nada na apreensão das experiências e não é de todo apropriado para o papel do si mesmo. O eu deve estar presente em todas as experiências? Não há também experiências "excêntricas"? O "eu puro" não contribui em nada para o conhecimento do contexto vital da experiência. Eu "tenho a mim mesmo" muito mais concretamente na vida fática, digamos, na memória, do que quando me oriento para um eu artificial vazio. A "situação" é, de fato, o caráter peculiar em que me encontro. Palavras como "vida", "experiência vivida", "eu mesmo", extraídas da vida quotidiana, representam um perigo de objetivação nas nossas descrições; não podem ser tomadas univocamente, mas devem ser entendidas no seu carácter formal   como indicativas de certos fenômenos do domínio concreto. Como é que eu mesmo vivo nas [122] minhas experiências mais concretas, como é que estou envolvido na minha sintonia com o mundo, como é que me encontro num mundo-da-vida? Como é que a vida se experimenta a si mesma? A este nível rudimentar, descobrimos uma certa familiaridade que a vida já tem consigo mesma em toda a sua plenitude, um acompanhar a vida tal como ela é vivida. A esta experiência vivida chama-se história. Aquilo a que habitualmente chamamos memória é mais uma questão de nos encontrarmos já expressos na própria experiência. Ela fornece a base para a compreensão como um ir ao encontro da experiência pessoal de vida com grande vitalidade e intimidade. Ter-se a si mesmo é, portanto, a expressão da vida na sua originalidade. Ter-se a si mesmo não é chegar a olhar para um eu como um objeto, mas o processo de ganhar ou perder uma certa familiaridade que a vida já tem consigo mesma. O eu é aqui mais um ritmo de experiência do que um eu-pontual. As possibilidades últimas de uma tal familiaridade consigo próprio exprimem-se historicamente em fenômenos como a vocação, o destino e a graça. Ter-me a mim próprio não é uma contemplação exterior ou interior, mas a experiência de aprendizagem que exprime a minha vida mais original: a minha situação pessoal, a história fática, a vida em si e para si. O(s) sentido(s) deste "ter" deve(m) agora ser colocado(s) em termos menos românticos e mais formais, embora ainda não objetivantes.

original

The purportedly “psychological” concept of experience must be defined originally, beyond the alternatives “objects — experiences,” out of a context in which it literally “makes sense” to speak of “experiencing.” It is also not   enough to regard all experiences, as “I-related,” as if the I were to be immediately found in them. The “pure I” or “I-point” just comes along for the ride, accomplishes nothing in the apprehension of experiences, and is not at all appropriate for the role of the self. Must the I be present in every experience? Are there not also “excentric” experiences? The “pure I” accomplishes nothing for the knowledge of the vital context of experience. I “have myself’ much more concretely in factic life, say, in memory, than when I am oriented toward an empty artificial I. “I myself” is really a meaningful context in which I live. “Situation  ” is in fact the peculiar character in which I have myself. Words like “life,” “lived experience,” “I myself” drawn from daily life pose a danger of objectification in our descriptions; they cannot be taken univocally, but rather must be understood in their formal character as indicative of certain phenomena of the concrete domain. How do I myself live in [122] my most concrete experiences, how am I involved in my worldly attunement, how do I find myself in a lifeworld? How does life experience itself? At this rudimentary level, we discover a certain familiarity that life already has with itself in its fullness, a going along with life as it is lived. This experienced experience is called history. What we ordinarily call memory is a more a matter of finding oneself already expressed in experiencing itself. It provides the basis for understanding as a going along with personal life experience with great vitality and intimacy. Having oneself is thus the expression of life in its originality. Having oneself is not coming to gaze at an I as an object, but the process of winning or losing a certain familiarity that life already has with itself. The I here is more a rhythm of experiencing than an I-point. The ultimate possibilities of such a familiarity with self are expressed historically in phenomena like vocation, destiny, and grace. Having myself is neither an outer or inner beholding, but the learning experience which expresses my most original life: my personal situation, factic history, life in and for itself. The sense(s) of this “having” must now be put in less romanticist and more formal, albeit still nonobjectifying, terms.

[KISIEL  , Theodore. The Genesis   of Heidegger’s Being and Time  . Berkeley: University of California Press, 1995, p. 117-118]


Ver online : Theodore Kisiel