Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Jonathan Pugh: Autonomia e Racionalidade

sexta-feira 22 de maio de 2020

nossa tradução

O termo "autonomia" é derivado do grego "autos  " (auto) e "nomos  " (lei); como tal, o conceito que o termo ’autonomia’ pretende capturar parece ser, de um modo geral, a propriedade do autogoverno. Assim, como observação preliminar, poderíamos dizer que, ao investigar a natureza da autonomia, estamos investigando o que é para um agente ser autônomo.

Mesmo esta formulação pode ser entendida como uma suposição importante, pois pressupõe que a autonomia é uma propriedade dos agentes. Embora Gerald Dworkin tenha afirmado que essa é uma das poucas afirmações com as quais os teóricos da autonomia concordam, ¹⁸ em desenvolvendo o que passou a ser visto como o relato padrão da autonomia em bioética, Beauchamp e Childress enfocam principalmente sua discussão sobre autonomia como propriedade de escolhas ou ações ao invés de agentes. Argumentarei abaixo que essas diferenças em nossa compreensão de que autonomia é uma propriedade refletem de maneira mais plausível uma distinção entre autonomia em um sentido local e autonomia em um sentido global. Para os propósitos desta discussão preliminar, assumirei que a autonomia é uma propriedade dos agentes e que uma escolha pode ser autônoma apenas em sentido derivado, na medida em que é feita por um agente autônomo em relação a ela.

O que é então para um agente ser autônomo? Immanuel Kant   notavelmente afirmou que, a fim de ser autônomo, um agente deve ser governado por seu si numenal, isto é, o si tal como é concebido como um membro do reino transcendente da razão pura, e não o si como um membro do reino fenomenal, no qual está sujeito a causas externas, de acordo com a metafísica dualista de Kant. Vale a pena notar três características da narrativa kantiana, como é comumente entendida. ”Primeiro, na visão de Kant, o agente autônomo não é movido a agir de acordo com seus desejos; pelo contrário, esse seria o paradigma da heteronomia na narrativa kantiana, uma vez que os desejos representam causas externas contingentes à vontade na metafísica de Kant.²¹ Segundo, autonomia é um conceito inerentemente moral   para Kant, pois, na sua opinião  , a razão pura exige que os agentes ajam de acordo com o imperativo categórico. Terceiro, a autonomia é uma propriedade que sustenta o valor único da vida humana na visão kantiana; como agentes autônomos, entende-se que os humanos têm dignidade, um valor objetivo não fungível além do mero preço.

Onora O’Neill apresentou um relato detalhado do papel que a autonomia kantiana pode desempenhar na bioética, em particular como esta "autonomia baseada em princípios" pode fornecer a base para nossas obrigações interpessoais e, por sua vez, uma estrutura para os direitos humanos. Entretanto, como O’Neill aponta, as concepções de autonomia que muitos bioéticos invocam em suas discussões são decididamente não-kantianas, assumindo a liderança das visões de John Stuart Mill sobre liberdade e individualidade.²³ Pace Kant, muitos teóricos contemporâneos entendem um agente ser autônomo se dirige suas decisões à luz de seus próprios desejos, sem a influência controladora de outros; ⁴ observe que, nesse entendimento, os desejos de um agente autônomo podem ter conteúdo não moral.

O’Neill sugere que os admiradores contemporâneos da autonomia pessoal em bioética ‘. . . imploram e reivindicam credenciais kantianas ”.² Se isso é verdade ou não para os outros, quero afirmar com clareza que, apesar do meu interesse   no papel da racionalidade na autonomia, não desejo nem reivindico credenciais kantianas para a teoria que desenvolverei aqui. Como explicarei mais detalhadamente abaixo, neste livro estarei interessado em uma compreensão milliana, e não kantiana, da autonomia e sua relação com a racionalidade.

Antes de deixar de lado a abordagem kantiana, vale a pena notar que a de Kant é um relato substantivo da autonomia, na medida em que estipula que as escolhas dos agentes autônomos devem ter certo conteúdo (na conta de Kant, moral). De acordo com relatos substantivos de autonomia, um agente não é autônomo ‘. . . a menos que ele escolha de acordo com certos valores’. Podemos comparar relatos substantivos de autonomia com relatos processuais; de acordo com relatos processuais, a questão de saber se um agente é autônomo em relação a uma decisão específica depende da maneira pela qual ele veio a tomar esta decisão. Os detalhes precisos do tipo de procedimento de decisão que são indicativos de tomada de decisão autônoma diferem de teoria para teoria; no entanto, o ponto principal é que as teorias processuais não reivindicam que as escolhas do agente autônomo devem ter um conteúdo específico.

Original

The term ‘autonomy’ is derived from the Greek ‘autos’ (self), and ‘nomos’ (law); as such, the concept that the term ‘autonomy’ aims to capture seems to be, broadly speaking, the property of self-government. [1] Accordingly, as a preliminary observation, we might say that in investigating the nature of autonomy, we are investigating what it is for an agent to be self-governing.

Even this formulation might be understood to be making an important presumption, since it assumes that autonomy is a property of agents. Although Gerald Dworkin has averred that this is one of the few claims that autonomy theorists agree upon, [2] in developing what has come to be seen as the standard account of autonomy in bioethics, Beauchamp and Childress primarily focus their discussion of autonomy as a property of choices or actions rather than agents. [3] I shall argue below that these differences in our understanding of what autonomy is a property of more plausibly reflect a distinction between autonomy in a local sense, and autonomy in a global sense. For the purposes of this preliminary discussion, I shall assume that autonomy is a property of agents, and that a choice can be autonomous only in a derivative sense, in so far as it is made by an agent who is autonomous with respect to it.

What then is it for an agent to be self-governing? Immanuel Kant famously claimed that in order to be autonomous, an agent must be governed by her noumenal self, that is, the self as it is conceived as a member of the transcendent realm of pure reason, and not   the self as a member of the phenomenal realm, in which it is subjected to external causes according to Kant’s dualist metaphysics. It is worth noting three features of the Kantian account, as it is commonly understood. [4] First, on Kant’s view, the autonomous agent is not moved to act by their desires; on the contrary, this would be the paradigm of heteronomy on the Kantian account, since desires represent contingent external causes on the will in Kant’s metaphysics. [5] Second, autonomy is an inherently moral concept for Kant, since on his view pure reason demands that agents act in accordance with the Categorical Imperative. Third, autonomy is a property that undergirds the unique value of human life on the Kantian view; as autonomous agents, humans are understood to have dignity, a non-fungible objective value beyond mere price.

Onora O’Neill has set out a detailed account of the role that Kantian autonomy can play in bioethics, in particular how such ‘principled autonomy’ can provide the basis for our interpersonal obligations, and in turn a framework for human rights. [6] However, as O’Neill points out, the conceptions of autonomy that many bioethicists invoke in their discussions are decidedly un-Kantian, instead taking their lead from John Stuart Mill’s views regarding liberty and individuality. [7] Pace Kant, many contemporary theorists understand an agent to be autonomous if they direct their decisions in the light of their own desires, without the controlling influence of others; [8] notice that on this understanding, an autonomous agent’s desires can have non-moral content.

O’Neill suggests that contemporary admirers of personal autonomy in bioethics ‘ . . . crave and claim Kantian credentials’. [9] Whether or not this is true of others, I want to quite clearly state that, despite my interest in the role of rationality in autonomy, I neither crave nor claim Kantian credentials for the theory that I shall develop here. As I shall explain in more detail below, in this book I shall be interested in a Millian, rather than Kantian understanding of autonomy and its relation to rationality.

Before setting the Kantian approach aside though, it is worth noting that Kant’s is a substantive account of autonomy, in so far as it stipulates that the choices of autonomous agents must have certain (on Kant’s account, moral) content. According to substantive accounts of autonomy, an agent is not autonomous ‘ . . . unless she chooses in accord with certain values’. [10] We may contrast substantive accounts of autonomy with procedural accounts; according to procedural accounts, the question of whether an agent is autonomous with respect to a particular decision depends on the manner in which they came to make that decision. The precise details of the sort of decision procedures that are indicative of autonomous decision-making will differ from theory to theory; however, the key point is that procedural theories do not claim that the autonomous agent’s choices must have a particular content.

[Excerto de PUGH, Jonathan. Autonomy, Rationality, and Contemporary Bioethics. Oxford: Oxford University Press, 2020, p. 4-5]


Ver online : Autonomy, Rationality, and Contemporary Bioethics


[1Dworkin, The Theory and Practice of Autonomy, 12.

[2Ibid., 6.

[3Beauchamp and Childress, Principles of Biomedical Ethics, 102.

[4These are at least features of Kant’s account on orthodox understandings of his view. For an alternative see Herman, The Practice of Moral Judgment.

[5See Hill, Autonomy and Self-Respect, 30.

[6O’Neill, Autonomy and Trust in Bioethics; see also Velleman, ‘A Right of Self-Termination?’; Secker, ‘The Appearance of Kant’s Deontology in Contemporary Kantianism’.

[7O’Neill, Autonomy and Trust in Bioethics, 30.

[8Taylor, Practical Autonomy and Bioethics, xiii.

[9O’Neill, Autonomy and Trust in Bioethics, 30; see also Foster, Choosing Life, Choosing Death, 7–8.

[10Friedman, Autonomy, Gender, Politics, 19.