Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Haar (1985:182-183) – ética em Heidegger

domingo 18 de junho de 2017

tradução

Frequentemente acusou-se Heidegger de ter esquecido a dimensão "ética". No entanto se o primeiro motivo do distanciamento à respeito da fenomenologia foi a necessidade da desconstrução a fim de deixar ver a historicidade da verdade, o segundo motivo terá sido, constatando a futilidade do ideal   de ciência rigorosa, de buscar as condições de uma possível ars vivendi. Face a uma ameaça tão radical quanto aquela da tecnicização do mundo e da instrumentalização do pensamento, a pura vontade de saber não é somente estéril, mas desprezível. Ora este segundo motivo, que não se desdobra verdadeiramente senão nos últimos textos como Gelassenheit   ("serenidade") é quase tão antigo no itinerário heideggeriano quanto o primeiro. Desde 1929, ao final de Kant   e o problema da metafísica (p. 301) a relação à técnica era apresentada como a exigência de suma escolha, como uma alternativa ética mais que ontológica: "O problema do ser conseguirá através de todas estas questões encontrar sua força e seu alcance elementares? Ou somos neste ponto vítimas da loucura da técnica, do afazer e da celeridade expeditiva que não possamos mais ter amizade pelo que é essencial, simples e durável? " (sublinhamos). Na época da técnica a neutralidade fenomenológica não é mais admissível. A posição de "espectador desinteressado" se torna insustentável quando se trata, não mais do sentido do ser, mas da possibilidade de aniquilamento da essência humana.

Também o questionamento do último Heidegger se faz mais e mais ético: como viver com a técnica? É preciso recusar toda atitude de fuga [182] que consistiria em condenar esta como uma "obra do diabo" [QIII, p. 176]. Não se trata também de ir se refugiar em algum retiro, ou de conduzir uma existência esquizofrênica no interior do mundo técnico, como não houvesse nem rádio, nem televisão, nem automóveis. É preciso usar aparelhos e máquinas, mas sempre conservando nossas distâncias a seu respeito, sempre não esquecendo de olhá-los, sempre permanecendo abertos a seu "segredo", quer dizer à essência oculta da técnica. Dando uma espécie de "palavra" de sua sabedoria: Gelassenheit zu den Dingen — deixar ser, em sentido forte, os objetos técnicos, a fim que sejam recolhidos em sua própria essência, não a nossa — Heidegger não demonstra que a ontologia é indissociável de uma ética, evidentemente situada fora de toda moral   normativa?

Ethos   significa estada. "Esta palavra designa a região aberta onde o homem habita" [QIII, p. 58]. A ética heideggeriana   não consiste no entanto em preservar unilateralmente o ser desta "estada" que a técnica tende a destruir: o habitar, a coisa, a terra, o enraizamento, a poesia, o sagrado ele mesmo … e a amizade. Não somente ela não ensina a recusar o mundo tal qual é: ela desejaria que o homem possa, com uma "força igual", aí viver uma vida e um pensamento duplos: "… vagamos hoje em dia em uma morada do mundo onde o Amigo está ausente" podemos ler no texto sobre o poeta germânico Hebel [QIII, p. 64], "quele que seus pendores inclinam com uma for’;ca igual para o universo tecnicamente gerido e para o mundo pensado como a morada de uma habitação mais original". Mas este Amigo "faz falta".

Original

On a souvent reproché à Heidegger d’avoir oublié la dimension « éthique ». Pourtant si le premier motif de l’éloignement à l’égard de la phénoménologie a été la nécessité de la déconstruction afin de laisser voir l’historicité de la vérité, le second motif aura été, constatant la vanité de l’idéal de science rigoureuse, de rechercher les conditions d’un possible ars vivendi. Face à une menace aussi radicale que celle de la technicisation du monde et de l’instrumentalisation de la pensée, la pure volonté de savoir est non seulement stérile, mais dérisoire. Or ce second motif, qui ne s’épanouit vraiment que dans les derniers textes comme Gelassenheit (« sérénité ») est à peu près aussi ancien dans l’itinéraire heideggérien que le premier. Dès 1929, à la fin de Kant et le problème de la métaphysique (p. 301) la relation à la technique était présentée comme l’exigence d’un choix, comme une alternative éthique plus qu’ontologique: « Le problème de l’être réussira-t-il à travers toutes ces questions à retrouver sa force et sa portée élémentaires? Ou sommes-nous à ce point victimes de la folie de la technique, de l’affairement et de la célérité expéditive que nous ne puissions plus avoir d’amitié pour ce qui est essentiel, simple et durable? » (nous soulignons). A l’époque de la technique la neutralité phénoménologique n’est plus de mise. La position de « spectateur désintéressé » devient intenable lorsqu’il s’agit, non plus du sens de l’être, mais de la possibilité de l’anéantissement de l’essence humaine.

Aussi le questionnement du dernier Heidegger se fait-il de plus en plus éthique : comment vivre avec la technique? Il faut refuser toute attitude de fuite [182] qui consisterait a condamner celle-ci comme une « œuvre du diable » [QIII, p. 176]. Il ne s’agit pas non plus d’aller se réfugier dans quelque thébaïde, ou de mener une existence schizophrénique à l’intérieur du monde technique comme s’il n’y avait ni radio, ni télévision, ni voitures. Il faut user des appareils et des machines, mais tout en conservant nos distances à leur égard, tout en n’oubliant pas de les regarder, tout en restant ouverts à leur « secret », c’est-à-dire à l’essence cachée de la technique. En donnant une sorte de « mot » de sa sagesse : Gelassenheit zu den Dingen — laisser être, au sens fort, les objets techniques, afin qu’ils soient recueillis en leur propre essence, non la nôtre — Heidegger ne montre-t-il pas que l’ontologie   est indissociable d’une éthique, évidemment située en dehors de toute morale normative?

Ethos signifie séjour. « Ce mot désigne la région ouverte où l’homme habite » [QIII, p. 58]. L’éthique heideggérienne ne consiste pas cependant à préserver unilatéralement l’être de ce « séjour » que la technique tend à détruire : l’habiter, la chose, la terre, l’enracinement, la poésie, le sacré, la pensée elle-même… et l’amitié. Non seulement elle n’enseigne pas de refuser le monde tel qu’il est : elle souhaiterait que l’homme puisse, avec une « force égale », y vivre d’une vie et d’une pensée doubles : « … nous errons aujourd’hui dans une maison du monde d’où l’Ami est absent » pouvons-nous lire dans le texte sur le poète alémanique Hebel [QIII, p. 64], « celui que ses penchants inclinent avec une force égale vers l’univers techniquement aménagé et vers le monde pensé comme la maison d’une habitation plus originelle ». Mais cet Ami « manque ». (Le Chant de la Terre. Paris: Éditions de l’Herne, 1985, p. 182-183)


Ver online : Michel Haar