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Gadamer (VM): nomoi

quarta-feira 24 de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

As poucas passagens em que fala da linguagem como tal estão muito longe de separar a esfera dos significados linguísticos, com respeito ao mundo das coisas que nela são nomeadas. Quando Aristóteles   diz que os sons e os signos escritos "designam", quando se convertem em symbolon  , isso significa evidentemente que não são por natureza, mas por convenção (kata suntheken). No entanto, isso não contém, de modo algum, uma teoria instrumental dos signos. A convenção, pela qual os sons da linguagem ou os signos da escrita chegam a significar algo, não é um acordo sobre um meio de entender-se — isso pressuporia, de todos os modos, a existência da linguagem — , mas é o haver chegado ao acordo, sobre o que se fundamenta a comunidade entre os homens e em seu consenso sobre o que é bom e correto. Pois bem, os gregos se inclinaram a considerar o que é bom e correto, a que eles chamavam de nomoi, como instituição e produto de homens divinos. Entretanto, mesmo essa origem do nomos   caracteriza, na opinião   [436] de Aristóteles, mais a sua validez que a sua verdadeira gênese. Isso não quer dizer que Aristóteles já não mais reconheça a tradição religiosa, mas que, para ele, esta, tal como qualquer outra pergunta sobre a gênese de algo, é um caminho para o conhecimento do ser e do valer. A convenção de que fala Aristóteles em relação à linguagem caracteriza pois o modo de ser da linguagem e não diz nada sobre a sua gênese. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 2.

Mas na verdade não apenas o legado do humanismo estético mas também o legado da antiga scientia practica vem reforçar a problemática da hermenêutica. Essa scientia se destacava como um modo de saber próprio (alio eidos   gnoseos) frente ao conceito de ciência da antiga episteme   (segundo o que se compreende por ciência hoje, só a matemática pode satisfazer a esse conceito) não só a partir de seu projeto originário na ética e política aristotélicas. Ela possui sua própria legitimidade — esquecida pela consciência geral — também frente ao conceito moderno de ciência e sua versão técnica. É tarefa da hermenêutica refletir inclusive sobre as condições especiais do saber que aqui são decisivas. No conceito de ethos   (formado sob a força conformadora dos nomoi, isto é, das instituições sociais e da educação que se dá nessas instituições), Aristóteles resumiu as condições que facilitam o autêntico saber para a vita   practica. Isso teve também sua importância no presente, uma vez que os melhores aliados de uma hermenêutica da facticidade foram justamente esses aspectos críticos da filosofia aristotélica contra a teoria platônica das ideias. Mas, além disso, são testemunhos inequívocos de que as condições sociais de nosso saber podem interferir no ideal   da ciência sem pressupostos. Assim, também o exame desse ideal da ausência de pressupostos pertence às tarefas de uma reflexão hermenêutica radical. Não se deve esquecer aqui o impulso liberador que expressa o mote de [434] uma ciência sem pressupostos (expressão que tem sua origem na situação de luta cultural, após 1870). Esse impulso anima   e sustenta também o movimento do Iluminismo e sua prolongação na ciência moderna. Mas a ingenuidade irresponsável que denota a aplicação desse termo no campo específico das ciências históricas e sociais fica patente não somente no utopismo das consequências das ciências sociais e das aplicações concretas derivadas da teoria da ciência do "círculo de Viena", como também e sobretudo nas graves aporias em que se enredou a teoria neopositivista da ciência com sua doutrina sobre as proposições protocolares. O historicismo ingênuo inspirado na escola de Viena encontrou assim uma resposta adequada na crítica de Karl Popper à teoria da ciência. De modo semelhante, os trabalhos de Horkheimer e Habermas sobre crítica da ideologia puseram a descoberto as implicações ideológicas subjacentes na teoria positivista do conhecimento e sobretudo em seu pathos   científico-social. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 28.