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Gadamer (VM): memória

quarta-feira 24 de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

Aliás, a gente não consegue apreender corretamente a essência da própria memória, caso nela não vejamos nada mais do que uma disposição ou uma capacidade genérica. Reter, esquecer e voltar a lembrar pertencem à constituição histórica do homem e formam mesmo uma parte de sua história e de sua formação. Quem exercita sua memória como uma mera capacidade — e toda a técnica da memória é tal exercício — não a terá ainda como o que é o seu mais próprio. A memória tem de ser formada. Pois a memória não é memória como tal e para tudo. Para algumas coisas temos memória, para outras não, e algumas coisas queremos guardar na memória, outras banir. Estaria na hora de libertar o fenômeno da memória de seu nivelamento capacitivo que a psicologia lhe impôs e de reconhecê-lo como um traço essencial do ser limitado-histórico do homem. À postura de reter e de lembrar pertence — de um modo que por muito tempo não foi suficientemente levado em consideração — o esquecimento e que é não somente uma perda e uma carência, mas, como acentua sobretudo F. Nietzsche  , uma condição de vida do espírito. Somente através do esquecimento é que o espírito recebe a possibilidade de uma total renovação, a capacidade de ver tudo com os olhos recém-abertos, de maneira que o que é velho e familiar se funde com as novidades que se veem em uma unidade de várias estratificações. "Reter" é, pois, ambíguo. Contém, como memória (mneme  ) a conexão com a lembrança (anamnesis). [GadamerVM I]