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Gadamer (VM): filosofia da vida

quarta-feira 24 de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

Vê-se assim que, em Dilthey  , como em Husserl  , na filosofia da vida, tal como na fenomenologia, o conceito da vivência se mostra, de início, como um conceito puramente epistemológico. Em ambos ele é reivindicado com a sua significação teleológica, mas não é determinado conceitualmente. Que é a vida que se manifesta na vivência, significa apenas que é a última coisa a que tornamos a voltar. Para essa cunhagem conceitual, do ponto de vista do desempenho, a história da palavra forneceu uma certa legitimação. Pois vimos que uma significação condensadora e intensiva faz parte da formação da palavra vivência. Quando algo é denominado ou avaliado como uma vivência, isso ocorre através de sua significação associada à unidade de sentido total. O que vale como vivência é realçado tanto por outras vivências — nas quais se experimenta algo diferente — bem como pelo restante do decurso da vida — no qual "nada" é experimentado. O que vale como uma vivência não é mais meramente uma fugaz torrente passageira na torrente da vida consciente — é vista como unidade e ganha, através disso, uma nova maneira de ser una. Nesse sentido é muito compreensível que a palavra apareça na literatura biográfica e que se origine, ao final das contas, do uso autobiográfico. O que se pode denominar vivência constitui-se na lembrança. Aludimos com isso ao conteúdo significante que, para quem teve a vivência, fica como uma posse duradoura. É isso o que ainda legitima o discurso da vivência intencional e da estrutura teleológica, que o consciente possui. Por outro lado, porém, há no conceito da vivência também a contraposição da vida para com o conceito. A vivência possui uma acentuada imediaticidade, que se subtrai a todas as opiniões sobre o seu significado. Tudo o que foi vivenciado é auto-vivência e colabora para perfazer seu significado o fato de que este pertence à unidade do "auto", contendo assim uma correlação insubstituível e imprescindível com o todo dessa vida. Nesse sentido e de acordo com a natureza da coisa, não desabrocha nele o que se pode obter por intermédio dele e se pode fixar como seu significado. A reflexão autobiográfica ou biográfica, em que se determina seu conteúdo significante, fica fundida no todo do movimento da vida e continua acompanhando-a ininterruptamente. Ser assim tão determinada, a ponto de a gente não conseguir dar conta dela, é, por assim dizer, a maneira de ser da vivência. Nietzsche   diz: "Nos homens profundos as vivências duram longo tempo". Com isso ele quer dizer o seguinte: elas não são esquecidas rapidamente, sua elaboração é um longo processo e justamente nisso reside seu ser específico e seu significado e não somente no conteúdo, como tal, experimentado originariamente. O que denominamos enfaticamente de vivência significa pois algo inesquecível e insubstituível, que é basicamente inesgotável para uma determinação compreensível de seu significado. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Por isso, ainda que se faça abstração da enorme influência que, a princípio, o empirismo inglês e a teoria do conhecimento das ciências da natureza exercem sobre Dilthey como se eles deformassem suas verdadeiras intenções, não é fácil de apreender essas intenções em uníssono. Devemos a Georg Misch um passo importante nessa direção. Mas como o propósito de Misch era confrontar a posição de Dilthey com a orientação filosófica da Fenomenologia de Husserl e da ontologia fundamental de Heidegger, é a partir dessas contraposições contemporâneas que se descreve a discrepância interna da orientação de Dilthey, de uma "filosofia da vida". E a mesma coisa pode-se dizer da meritória exposição de Dilthey, de O.F. Bollnow  . VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
1.2.2. A discrepância entre a ciência e a filosofia da vida na análise da consciência histórica de Dilthey VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
Dilthey parte da vida: a própria vida está apontada à reflexão. É a Georg Misch a quem devemos uma enérgica elaboração da tendência da filosofia da vida no filosofar de Dilthey. Seu fundamento repousa no fato de que a vida mesma contém saber. Já a interiorização (Innesein), que caracteriza a vivência, contém uma espécie de retorno da vida sobre si mesma. "O saber está aí, unido à vivência sem dar-se conta" (VII, 18). Essa mesma reflexividade imanente da vida determina também o modo como, segundo Dilthey, o significado surge no nexo vital. Somente se experimenta o significado, quando se sai à "caça das metas". O que torna possível essa reflexão é um distanciamento, uma lonjura do nexo do nosso próprio fazer. Dilthey destaca, e, sem dúvida, com razão, que antes de toda objetivação científica o que se forma é uma visão natural da vida sobre si mesma. Esta se objetiva na sabedoria dos provérbios e sagas, mas sobretudo nas grandes obras da arte, nas quais "algo espiritual se desprende de seu criador". Por isso a arte é um órgão especial da compreensão da vida, porque em seus "confins entre o saber e a ação" a vida se abre com uma profundidade que não é acessível nem à observação, nem à reflexão, [240] nem à teoria. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
É verdade que o próprio Dilthey sempre levou em consideração essa objeção e procurou uma solução para a questão pelo modo como é possível a objetividade, dentro da relatividade, e como pode-se pensar a relação do finito com o absoluto. A tarefa é expor como se ampliaram esses conceitos de valor, relativos à época, a algo absoluto". Em Dilthey, porém, será vã a procura de uma resposta real a esse problema do relativismo, e isto não porque ele jamais tenha encontrado a resposta certa, mas porque essa não era sua própria e verdadeira pergunta. Antes, no desenvolvimento da auto-reflexão histórica que o levava de relatividade a relatividade, ele se soube sempre no caminho rumo ao absoluto. Nesse sentido, Ernst   Troeltsch resumiu perfeitamente o trabalho de toda a vida de Dilthey na formulação: da relatividade à totalidade. A fórmula que Dilthey emprega para isso diz o seguinte: "Ser conscientemente um ser condicionado" — uma fórmula que se dirige abertamente contra a pretensão da filosofia da reflexão, pretensão de deixar para trás todas as barreiras da finitude, ascendendo para o absoluto e para o infinito do espírito, para a consumação e a verdade da autoconsciência. No entanto, sua incansável reflexão sobre a objeção do "relativismo" mostra que ele não pôde manter realmente a consequência de sua investida da filosofia da vida contra a filosofia da reflexão do idealismo. Não fosse assim, ele teria de reconhecer, na objeção do relativismo, o "intelectualismo", a que seu próprio ponto de partida da imanência do saber na vida pretendia minar pela base. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
Essa ambiguidade tem seu fundamento último na falta de unidade interna de seu pensamento, no resíduo do cartesianismo, donde ele parte. Suas reflexões epistemológicas sobre a fundamentação das ciências do espírito não se coadunam bem com seu ponto de partida na filosofia da vida. Nas suas anotações mais tardias encontra-se um testemunho eloquente. Ali, Dilthey exigirá a toda fundamentação filosófica que se estenda a todo o campo em que "a consciência já tenha sacudido toda autoridade e procure chegar a um saber válido do ponto de [242] vista da reflexão e da dúvida". Essa frase parece uma afirmação inocente sobre a essência da ciência e da filosofia da época moderna como tal. Não há como não perceber uma ressonância cartesiana. Na verdade, porém, essa frase encontra sua aplicação em um sentido totalmente diferente, quando Dilthey continua: "Por toda parte a vida conduz a reflexões sobre o que está colocado nela, a reflexão quanto à dúvida, e somente se a vida quiser se firmar frente a esta, então e somente então pode o pensamento acabar sendo um saber válido". Aqui já não mais existem preconceitos filosóficos que têm de ser superados por uma fundamentação epistemológica ao estilo de Descartes  , já que se trata de realidades da vida, de tradições dos costumes, da religião e do direito positivo, que são desintegrados pela reflexão e necessitam de uma nova ordem. Quando Dilthey fala aqui do saber e da reflexão, não está querendo aludir à imanência geral do saber na vida, mas a um movimento dirigido contra a vida. Ao contrário, a tradição dos costumes, da religião e do direito repousa, de sua parte, sobre um saber da vida a partir de si mesma. Inclusive já vimos que na entrega à tradição, na qual certamente está envolvido algum saber, realiza-se a ascensão do indivíduo ao espírito objetivo. Terá de se concordar prazerosamente com Dilthey que a influência do pensamento sobre a vida "procede da necessidade interna de estabelecer algo fixo em meio à mudança inconstante das percepções sensoriais, dos desejos e sentimentos, algo fixo e estável que torne possível um modo de vida continuado e unitário". Mas esse desempenho do pensamento é imanente à própria vida e se realiza nas objetivações do espírito que, como costumes, direito e religião sustentam o indivíduo, na medida em que este se entrega à objetividade da sociedade. O fato de que, para isso, tenha-se de adotar "o ponto de vista da reflexão e da dúvida" e que esse trabalho se realize "em todas as formas de reflexão e científica (e não fora disso), não se coaduna, em absoluto, com as ideias da filosofia da vida de Dilthey. Antes, aqui se descreve o ideal   específico do Aufklärung científico, que bem pouco concorda com a reflexão imanente da vida, justamente ao modo como foi o "intelectualismo" do Aufklärung, contra o qual se orienta a fundamentação de Dilthey no fato da filosofia da vida. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
É indubitável que, com isso, não se satisfaça ao objetivo da escola histórica. A hermenêutica romântica e o método filológico, sobre os quais ela se ergue, não são base suficiente para a história; da mesma forma, não é satisfatório para Dilthey o conceito dos procedimentos indutivos que se pede emprestado [246] às ciências da natureza. A experiência histórica, tal como ele fundamentalmente a entende, não é um procedimento e não possui a anonimidade de um método. Certamente que dela se podem deduzir regras de experiência gerais, mas o seu valor metodológico não é o do conhecimento de leis, sob as quais se possam subsumir univocamente os casos que apareçam. Antes, as regras da experiência exigem um uso já experimentado e são, no fundo, o que são apenas nesse uso particular. Frente a essa situação é preciso admitir que o conhecimento das ciências do espírito não é o mesmo das ciências indutivas, mas possui uma objetividade bem diferente e deve ser adquirido de uma maneira totalmente diversa. A fundamentação das ciências do espírito na filosofia da vida de Dilthey e a sua crítica a todo dogmatismo, bem como ao dos empiristas, procuram tornar válido exatamente isso. Mas o cartesianismo epistemológico, ao qual não consegue escapar, acabou sendo mais forte, de maneira que, para Dilthey, a historicidade da experiencia histórica não chegou a se tornar verdadeiramente determinante. É verdade que Dilthey não menosprezou a significação que tem a experiencia de vida, tanto individual como universal, para o conhecimento das ciencias do espirito — mas ambos, para ele, são determinados de maneira meramente privada. Trata-se de uma indução não-metódica, carente de verificação, que já aponta para a indução metódica da ciencia. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
E assim, surge a questão de se saber até que ponto a superioridade dialética da filosofia da reflexão corresponde a uma verdade pautada na coisa ou até que ponto gera tão-somente uma aparência formal  . Pois a argumentação da filosofia da reflexão não pode acabar ocultando que a crítica contra o pensamento especulativo, que é exercida do ponto de vista da limitada consciência humana, contém algo de verdade. Isso se mostra muito particularmente nas formas epigônicas do idealismo, por exemplo, na crítica neokantiana da filosofia da vida e da filosofia existencial. Em 1920, Heinrich Rickert, argumentando fundamentalmente a "filosofia da vida", não conseguiu alcançar o efeito de Nietzsche e de Dilthey, que então começava a exercer sua grande influência. Mesmo que se mostre claramente a contraditoriedade interna de qualquer relativismo, as coisas não deixam de ser como as descreve Heidegger: todas essas argumentações triunfais têm sempre algo de uma tentativa de ataque de surpresa. Por mais convincentes que pareçam, passam ao largo face ao verdadeiro núcleo das coisas. Servindo-se delas se tem razão, e, no entanto, não expressam nenhuma evidência superior, que fosse fecunda. É uma argumentação irrefutável que a tese do ceticismo ou do relativismo pretende ser verdade e, por conseguinte, se auto-suprime. Mas, o que se consegue com isso? O argumento da reflexão, que alcança esse fácil triunfo, ricocheteia contra aquele que o emprega, na medida em que torna suspeito o valor de verdade da reflexão. O que se alcança através dessa argumentação não é a realidade do ceticismo ou de um relativismo capaz de dissolver qualquer verdade, mas a pretensão de verdade do argumentar formal em geral. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Isso é exatamente o que se tem de reter para a análise da consciência da história efeitual: que ela tem a estrutura da experiência. Por paradoxal que seja, o conceito da experiência me parece um dos menos que possuímos. Devido ao papel orientador que desempenha na lógica da indução, para as ciências da natureza, viu-se submetido a uma esquematização epistemológica que me parece encurtar amplamente seu conteúdo originário. Gostaria de recordar que já Dilthey acusava, no empirismo inglês, uma certa falta de formação histórica. Para nós, que detectamos em Dilthey uma vacilação não explícita entre o motivo da "filosofia da vida" e o da teoria da ciência, essa nos parece somente uma crítica pela metade. De fato, a deficiência da teoria da experiência, que constatamos até hoje, e que afeta também a Dilthey, consiste em que ela está integralmente orientada para a ciência e, por conseguinte, não percebe a historicidade interna da experiência. O escopo da ciência é objetivar a experiência até que fique livre de qualquer momento histórico. No experimento natural-científico consegue-se isso através do modo de seu aparato metodológico. Algo parecido realiza também o método histórico-crítico nas ciências do espírito. Num e noutro caso a objetividade ficaria garantida pelo fato de que as experiências que jazem ali poderiam ser repetidas por qualquer pessoa. Tal como na ciência da natureza os experimentos têm de ser possíveis de comprovação posterior, também nas ciências do espírito o procedimento completo tem que ser passível de controle. Nesse sentido, na ciência não pode restar lugar para a historicidade da experiência. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
O novo impulso filosófico de Heidegger não fez sentir seus efeitos positivos apenas na teologia, mas rompeu sobretudo com a rigidez relativista e tipológica reinantes na escola de Dilthey. Deve-se a G. Misch ter liberado novamente os impulsos filosóficos de Dilthey confrontando-o com Husserl e Heidegger. Não obstante a sua construção do princípio filosófico que rege a filosofia da vida de Dilthey estabeleça uma oposição com relação a Heidegger, o retorno de Dilthey à perspectiva da "vida", ultrapassando a "consciência transcendental  ", representou um importante apoio para a elaboração filosófica de Heidegger. A publicação de diversos tratados dispersos de Dilthey, realizada por G. Misch e outros, nos volumes V-VIII, [103] assim como as instrutivas introduções de Misch, trouxeram a público pela primeira vez, nos anos 20, a obra filosófica de Dilthey, que havia sido encoberta por seus trabalhos históricos. O problema hermenêutico alcançou sua radicalização filosófica quando as ideias de Dilthey (e Kierkegaard  ) passaram a fundamentar a filosofia existencial. Foi quanto Heidegger formulou o conceito de uma "hermenêutica da facticidade", impondo — em contraposição à ontologia fenomenológica da essência, de Husserl — a tarefa paradoxal de interpretar a dimensão "imemorial" (Schelling  ) da "existência" e inclusive a própria existência como "compreensão" e "interpretação", ou seja, como um projetar-se para possibilidades de si próprio. Nesse momento, alcançou-se um ponto no qual o caráter instrumentalista do método, presente no fenômeno hermenêutico, teve de reverter-se à dimensão ontológica. "Compreender" não significa mais um comportamento do pensamento humano dentre outros que se pode disciplinar metodologicamente, conformando assim a um procedimento científico, mas perfaz a mobilidade de fundo da existência humana. A caracterização e ênfase que Heidegger atribui à compreensão como a mobilidade de fundo da existência culmina no conceito de interpretação, desenvolvido em sua significação teórica sobretudo por Nietzsche. Esse desenvolvimento está fundamentado na dúvida frente aos enunciados da autoconsciência, dos quais se deve duvidar melhor do que o fez Descartes, como diz expressamente Nietzsche. Em Nietzsche, o resultado dessa dúvida é uma modificação do sentido de verdade em geral. Com isso, o processo de interpretação transforma-se numa forma de vontade de poder, adquirindo assim uma significação ontológica. VERDADE E METODO II PRELIMINARES 8.
O que é a retórica enquanto ciência, o que constitui portanto a arte da retórica, é um problema que foi abordado já nos inícios da reflexão sobre a teoria da ciência. O conhecido antagonismo entre filosofia e retórica no sistema educativo grego fez Platão   colocar a questão do caráter científico da retórica. Depois de ter comparado, no Górgias, a retórica, enquanto mera arte de adular, com a arte culinária, contrapondo-a ao verdadeiro saber, Platão se dedica no Fedro à tarefa de conferir à retórica um sentido mais profundo e dar-lhe uma justificação filosófica. Esse diálogo pergunta o que significa a techne   na retórica. As perspectivas do Fedro aparecem ainda implícitas na retórica aristotélica, que representa mais uma filosofia da vida humana definida pela fala do que uma técnica da arte de falar. VERDADE E METODO II OUTROS 22.
Em seu esforço para construir uma fundamentação hermenêutica das ciências do espírito, Dilthey encontrou uma forte oposição da escola epistemológica, que naquele momento também buscava fundamentar as mesmas ciências, partindo do ponto de vista neokantiano, ou seja, da filosofia dos valores desenvolvida por Windelband und Rickert O sujeito epistemológico pareceu-lhe ser uma abstração anêmica. Por mais que ele próprio estivesse entusiasmado pela busca de objetividade nas ciências do espírito, não poderia abstrair do fato de o sujeito conhecente, o historiador que compreende, não estar simplesmente postado frente ao seu objeto, a vida histórica, mas ser sustentado, ele próprio, pelo mesmo movimento da vida histórica. Sobretudo em seus últimos anos, Dilthey buscou cada vez mais fazer justiça à filosofia idealista da identidade, uma vez que no conceito idealístico do espírito estava pensada a mesma generalidade substancial entre sujeito e objeto, entre eu e tu, como ocorria em seu próprio conceito de vida. Aquilo que Georg Misch defendeu de modo tão agudo como ponto de vista da filosofia da vida contra Husserl e Heidegger partilhou com a fenomenologia tanto a crítica a um objetivismo histórico ingênuo quanto a sua justificação epistemológica através da filosofia dos valores vinda do sudoeste da Alemanha. Por mais evidente que tenha sido, a constituição do fato histórico, através da referência aos valores, não fez justiça às implicações do conhecimento histórico no acontecer histórico. VERDADE E METODO II ANEXOS 27.
M. Riedel, igualmente, permanece mais interessado na crítica diltheiana da razão histórica, como ela é documentável especialmente a partir da época breslauiana, do que no Dilthey tardio, apesar de que, em sua nova impressão do Aufbau der geschichtiichen Welt   in den Geisteswissenschaften   (Estrutura do universo histórico nas ciências sociais), ele expõe a obra tardia de Dilthey. Ele põe um interessante acento crítico-social no interesse   de Dilthey pelas ciências do espírito, considerando que a verdadeira relevância que Dilthey possui por causa de seu questionamento teórico-científico é tão intensa que o irracionalismo de que é acusado, enquanto defensor da filosofia da vida, não passaria de um simples mal-entendido. Aqui, portanto, a ambivalência que destaquei no posicionamento de Dilthey — sua indecisão entre teoria da ciência e filosofia da vida — articula-se exatamente no sentido oposto. Aos olhos desses autores, o iluminismo emancipatório em Dilthey representa não apenas o impulso mais profundo e mais forte, mas também e estranhamente o mais produtivo. VERDADE E METODO II ANEXOS 29.
Ali enfrentei logo novas experiências de estudo. Diferentemente das universidades das cidades grandes, as "pequenas" levavam [481] ainda uma verdadeira vida acadêmica, uma "vida de ideias" no sentido de Humboldt  , e a faculdade de filosofia contava em cada matéria, em cada professor, com um "círculo" de estudos, de modo que nos sentíamos atraídos para múltiplos interesses. Foi quando, em Marburgo, começou a crítica à teologia histórica, empreendida pela chamada teologia dialética, seguindo o exemplo de Barth em seu comentário à Carta aos Romanos. Os jovens extremaram sua crítica ao metodologismo das escolas neokantianas, enquanto elogiavam a descrição fenomenológica de Husserl. Mas foi sobretudo a filosofia da vida, por trás da qual estava Friedrich Nietzsche, o "acontecimento" europeu que impregnou todo nosso sentimento cósmico, e em conexão com ele, ocupou os jovens espíritos com o problema do relativismo histórico debatido à luz de Wilhelm Dilthey e de Ernst Troeltsch. VERDADE E METODO II ANEXOS 30.