Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Fuchs (2018:78-80) – o estranho (Unheimlichkeit)

domingo 4 de fevereiro de 2024

Quando sentimos algo como estranho? — Tudo o que é estranho significa primariamente a experiência de uma perturbação: algo subtrai-se à nossa experiência ou ao nosso conhecimento, ele não se deixa nem prever nem classificar de maneira adequada. Bernhard Waldenfels, em cuja obra a experiência do estranho assume um lugar central, [78] atribuiu-lhe o caráter de algo que nos ocorre·, o estranho acontece e nos afeta, ele nos desafia de uma maneira espantosa, irritante, inquietante ou angustiante (Walenfels 2006). Com isto, o estranho se transforma no pólo oposto ao familiar, conhecido ou que nos é pertinente: estranho e próprio são conceitos relacionais ou complementares, que não têm como ser experimentados ou pensados um sem o outro.

Visto mais detidamente, podemos diferenciar três aspectos da experiência do estranho, que são mais bem diferenciados em inglês do que em alemão (cf. Waldenfels 2006, p. 111):

  •  estranho é de início o exterior (em inglês foreign) em comparação com o interior;
  •  estranho é em seguida o que não pertence a si mesmo ou ao próprio grupo (em inglês alien), em oposição, portanto, ao próprio, aparentado ou natal;
  •  estranho, por fim, é o desconhecido, não familiar ou mesmo sinistro (em inglês strange), diferentemente do conhecido, familiar e habitual.

    O estranho determina-se, portanto, a cada vez de maneira negativa em uma demarcação ante o interior, ante o pertencimento e ante a familiaridade, por mais que esses três aspectos com frequência se interpenetrem.

    Significativo é, então, que formas pode assumir a reação emocional ao estranho, que vem ao nosso encontro ou que nos ocorre. Elas se estendem de início da mera surpresa e irritação, passando pela insegurança e pela inquietação, até chegar ao medo ou à angústia, mas também ao desprezo, à hostilidade e, por fim, à agressão. De maneira correspondente, o estranho pode desencadear reações de evitação, de recolhimento ou de fuga, assim como a tentativa de afastá-lo, combatê-lo ou mesmo aniquilá-lo. A essas reações negativas, contudo, se contrapõem por outro lado tendências inteiramente positivas: o estranho também pode evocar curiosidade, sim, [79] fascinação, precisamente quando é percebido no sentido do exótico (literalmente daquilo “que vem de fora”) como um mundo contrário atrativo: como um espaço de encontro possível, que rompe com o habitual, como possibilidade de ultrapassagem dos limites e de aventura, tal como ele foi buscado desde sempre em viagens. Também no contexto intercultural — pensemos apenas nas ligações históricas da Europa   com outras culturas —, o estranho pode aparecer por um lado como o iníquo ou ameaçador, por outro lado, porém, como um espaço para a projeção de fantasias do desejo e de contraprojetos em relação ao próprio mundo.

    Com essas primeiras reflexões, já fica claro que estranho e próprio estão ligados mutuamente e entrelaçados entre si de uma maneira complexa. Por um lado, o estranho é a contraparte do próprio, que nós, por outro lado, buscamos afirmar; em seguida, então, o estranho se torna um contramundo, no qual esperamos precisamente encontrar o próprio ansiado. Esse entrelaçamento fica ainda mais claro, se nós nos voltarmos agora para o nexo entre estrangeiridade e identidade.


  • Ver online : Thomas Fuchs