Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

Página inicial > Léxico Alemão > Ferreira da Silva (2010:412-413) – esquecimento do ser (Seinsvergessenheit)

Ferreira da Silva (2010:412-413) – esquecimento do ser (Seinsvergessenheit)

quarta-feira 7 de junho de 2023

A elaboração do problema do fundamento metafísico do humanismo segue uma linha crítica, procurando Heidegger mostrar que a essência do homem, concebida a partir da metafísica tradicional, nada mais expressa do que o esquecimento do ser (Seinsvergessenheit  ). “O esquecimento do ser”, diz Heidegger, “manifesta-se em que o homem só vê e elabora as coisas. Mas como não consegue representar o ser, esse se transforma para ele no ente mais geral e envolvente, ou na criação do ente Infinito, ou ainda, no feito do sujeito finito”. E mais adiante: “O homem se mantém sempre e apenas na proximidade das coisas”. Essa condição do pensamento tradicional fez com que a pergunta pelo ser se apresentasse sempre como pergunta pelo ser das coisas, esquecendo-se que o ser é transcendente a todas as coisas. “É preciso compreender o ser – diz Beaufret   – como uma superação e uma transgressão do que é meramente existente. Para pensá-lo adequadamente como ser, é preciso em primeiro lugar e antes de tudo fazê-lo renunciar à natureza do existente”. Essa purificação da noção de ser que pela primeira vez a determina em sua natureza própria, leva-nos a aproximar o pensamento do ser ao pensamento do nada. No ensaio sobre a essência da metafísica, Heidegger já havia esclarecido o movimento de transcendência [412] como uma função dependente da manifestação do nada. Em seu pensamento posterior que ora tratamos, a verdade do ser, que se procura atingir superando a verdade do existente, se traduz também como um manter-se na privação do nada. Porém, essa privação só o é em relação ao pensamento do existente pois, em si mesmo, o nada se põe como liberdade e proliferação infinita. “Guardemo-nos entretanto – esclarece Beaufret – de confundir o nada do ser como nada da nulidade. Trata-se, com efeito, de pureza   e não de nulidade. (…) Longe de ser o vazio da essência (das Wesenlose) ele (o ser) é inteiramente desdobramento de essência, profusão de sentido.” Heidegger procurou esclarecer a experiência do ser em seu célebre post scriptum ao opúsculo sobre a essência da metafísica. Aí afirma que o pensamento do ser não procura apoio naquilo que é, no Ente. Fiel ao apelo de ser, o pensamento essencial está pronto a sacrificar todo o vasto domínio do Ente, para preservar o favor do ser. Esse sacrifício é a única preparação para o advento do que é destinado ao homem e mediante esse persistir no inexprimível (im Namenlosen), propicia o homem a palavra do ser. “O pensamento do ser guarda a Palavra e cumpre a sua função em tal mister, isto é, no uso da linguagem. Enfim, depois de um longo silêncio, e da elucidação do campo assim iluminado, advém o dizer do pensador. Da mesma origem é o dizer do poeta.”


Ver online : Vicente Ferreira da Silva