Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Eudoro de Sousa (MHM:136-137) – sujeito

quarta-feira 9 de fevereiro de 2022

48. As últimas palavras do parágrafo precedente já deixam entrever a pergunta acerca do que seja o sujeito do drama   simbolizante que se desenrola aquém do horizonte extremo do trans-objetivo, o que é ou se projeta como sendo talvez o mesmo horizonte. E neste momento me vêm à memória o ter lido, em contexto que não posso recordar qual fosse, palavras de Hegel  , que se resumiriam nesta fórmula: «Deus é Sujeito.» Nem posso lembrar se, com elas, o filósofo queria apenas dizer que Deus não é objeto — o que acho bem pouco, na fala de um pensador de estatura tão fora do comum. Não posso afatigar-me agora na busca do verdadeiro significado «hegeliano» daquelas palavras, dentro do seu contexto, que não vejo como achar sem que suspenda por longo prazo a sequência deste ensaio que, certamente, não corre no sentido de Hegel. É possível que mais uma vez eu peque por mal-entendido — só que, agora, ele está muito longe das minhas intenções. Mas a verdade é que este «Deus é Sujeito», seja qual for o contexto, serve maravilhosamente ao propósito de prosseguirmos sem vexatórias contradições. Dou por suposto que as tais palavras andem próximo de sugerir que Deus é sujeito da Realidade inteira, que Deus, não obstante as palavras que o contradizem expressamente, seja o Ultra-Ser que Álvaro de Campos, numa de suas Ficções do Interlúdio, ousa   mencionar, mas como que terrificado diante do «Mysterium Tremendum». Isto, porém, só concerne ao terceiro horizonte, o horizonte sem limites para o lado de lá. Só nos interessa agora o segundo, o da trans-objetividade em que se desenrola o drama ou os dramas simbolizantes. Por enquanto, a pergunta é pelo sujeito, o autor do libreto do drama em que as «coisas» emergem no horizonte do trans-objetivo, e aí se nos depara como sujeito simbólico de objetos simbólicos, representando diante de um cenário simbólico uma ação simbólica. E aqui não posso reprimir, nem como cristão, uma certa nostalgia dos deuses pagãos, pois esses não foram outrora senão autores de múltiplas diacosmeses, cada uma, drama específico, afeiçoado ao deus que lhe traçava a intriga, o que também permanece verídico se dissermos que um específico drama traçava os contornos de um deus. Claro que, escrevendo estas últimas linhas, [136] temos em mira as muitas formas de outras tantas relações sujeito-objeto que se jogam no jogo do ritual, do jogo em que somos nós os jogados na mesma trans-objetividade; no jogo em que deixamos de ficar na sujeição de sermos sujeitos do que quer que seja — de «coisas» ou de «símbolos». [EudoroMito:136-137]