Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Eudoro de Sousa (MHM:133-134) – morte

domingo 6 de fevereiro de 2022

45. Não vemos qualquer objeção válida da parte de quem nos chame a atenção sobre o que de mais sabemos. E o que por de mais sabemos é que o homem morto, o seu corpo sem vida como o de qualquer outro animal, é matéria orgânica ou organizada, que se vai degradando até que só lhe restem os ossos descarnados. Deste ponto de vista, até se pode dizer que o homem começa morrendo no instante em que nasce. Que é nestas circunstâncias da imortalidade que, por ser o divino no homem, se constitui em núcleo de todas as religiões? Contra a mais clara das evidências, o homem persiste e insiste em considerar-se divino, enquanto insubmisso à fatal condição da morte. E contra tal persistência e [133] insistência, não vale o facto indefinidamente repetido. A crença, a fé, não é cega. Resta averiguar o que ela viu e crê. Ao que me parece, é que a morte sempre esteve, está e estará no tempo, com suas dimensões de passado, presente e futuro, e no espaço, com suas dimensões de proximidade e distância, para trás e para a frente, e que a sua negação, que é a imortalidade, semelhante à divindade no homem, consiste precisamente em que as portas da vida e da morte se desengoncem do tempo, para se fecharem e abrirem no trans-objetivo, com suas indimensionais dimensões de Lonjura e do Outrora. Aí o homem é símbolo, e o ser-origem acrescido à coisa que era não pode estar no tempo, em que tudo o que começa terá de acabar em dia mais ou menos distante. Imortalidade é só a da originalidade do homem inserido no simbólico. Eu sou imortal só em algum ponto singular de uma curva traçada na pseudo  -superfície de trans-objetividade, provisto que seja capaz de nela me «situar». E para isso não há método. Só uma coisa sei: há que transpor em vida um limes-limen, um horizonte que é limite-liminar, e que este é o do mundo em que minha alma está à venda pelo preço de mais ou menos elevado número de «coisas» que fazem que me encha de mim, do «mim» que é fabricante delas e por elas usado a bel-prazer do Diabo. [EudoroMito:133-134]