Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Ernildo Stein (2012:25-26) – Weltanschaunng e Lebenswelt

sexta-feira 2 de fevereiro de 2024

Kant   tinha uma especial dificuldade para aceitar uma intuição quando não se tratava daquilo que os sentidos podem trazer ao entendimento. Num certo dia, porém, criou a palavra Weltanschauung  , que significava, para ele, intuição do mundo. Quando Kant utilizava a expressão intuição do mundo, tratando de um certo conteúdo, fugia do rigor com que ele havia determinado o domínio de cada tipo de saber das três críticas: Crítica da razão pura, Crítica da razão prática e Crítica do juízo.

Kant utilizava a palavra mundo para expressar a totalidade dos fenômenos. A totalidade dos fenômenos, contudo, não é passível de ser apreendida por uma intuição. Por outro lado, ele colocava a intuição ligada a uma coisa que nada tinha de sensível, de perceptível: o mundo como uma totalidade. O que ele sugeria com Weltanschauung era uma espécie de inatingibilidade absoluta porque ultrapassa todos os órgãos de captação do sensível.

Husserl  , por sua vez, em 1924, quando estava redigindo um discurso para festejar o bicentenário de nascimento de Kant, criou o termo Lebenswelt   à margem da redação do discurso. Husserl lutava, naquela época, com algo diferente de Kant. Este queria falar de uma espécie de campo inalcançável, inatingível da nossa experiência com a palavra Weltanschauung, enquanto Husserl, com Lebenswelt, queria significar um universo totalmente subjetivo, excluído pelas investigações das Ciências Naturais. Esse universo subjetivo, o mundo da vida, seria a nova temática da fenomenologia de Husserl.

Este espaço recebeu de Husserl uma série de nomes. Ele lutava, como homem de método, com uma espécie de contradição metodológica. Para ele, todo conhecimento deveria ser produzido pela via redutiva, pela redução transcendental  , mas Lebenswelt de modo algum poderia ser objeto de tal redução. Ele usava, também, neste contexto temático, uma outra palavra, Rückgang, isto é, regresso. Husserl lutava, então, com a seguinte dificuldade metodológica: enquanto a redução conduzia a um eu transcendental e ao exame dos atos interiores da consciência por meio do pôr entre parênteses a realidade externa, procedendo como se os esquemas dessa realidade se reproduzissem no mundo interior e, assim, conseguindo obter um pensamento válido, ele, com o Rückgang, não tinha para onde regredir, pois o espaço da consciência não era dado e, portanto, não era no plano transcendental que isso se realizava. Apesar disso, contudo, era importante levar esse “espaço” a sério. Às vezes, ele falava em “mundo comum do cotidiano” ou “concreção plenamente originária do mundo”, depois chamou de “cotidianeidade”, mas, aí, ligada à expressão Lebensalltäglichkeit, quer dizer, cotidianeidade da vida. Nenhum desses termos, entretanto, teve um poder semântico na Filosofia, um uso público. Nenhum desses termos impressionou muito. O termo que permaneceu foi Lebenswelt.

A frase que está à margem da conferência sobre Kant pode ser traduzida da seguinte maneira: “O mundo alcançou uma amplitude infinita tão logo o mundo da vida real, o mundo no ‘como’ das vivências dadas, passa a ser contemplado”. O que aparece nessa expressão é uma espécie de infinitude, de amplitude ligada a algo semelhante ao que Kant queria significar com Weltanschauung. Palavra que passou a ser utilizada por diversos filósofos, sobretudo por Goethe  , e que, sem dúvida alguma, marcou época, enquanto que o termo Lebenswelt encontraria uma séria questão no seu caminho.

A palavra Lebenswelt, mundo da vida, trazia, como todas as coisas fundamentais de Husserl, reminiscências de Mach e Avenarius. Mach referia-se a uma espécie de natürliche Weltansicht, isto é, de um aspecto natural do mundo. Avenarius falava de um menschliche   Weltbegriff, ou seja, de um conceito de mundo humano. Com isso eles queriam resolver e salvar aquilo que era recusado pela cientificidade, na época, fundamentalmente pela lógica. Husserl, portanto, também nisso foi influenciado por esses autores.

Haveria para o Lebenswelt uma palavra que geralmente é um prefixo, Ur (originário, principiai, aquilo que está no começo) que, ligada a outras palavras, dá o mesmo sentido. Não é, entretanto, a palavra Urwelt. Mundo da vida, Lebenswelt, é este mundo originário.

[STEIN, Ernildo. As ilusões da transparência: Dificuldades com o conceito de mundo da vida. Ijuí: Editora Unijuí, 2012]


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