Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Ernildo Stein (2012:23-24) – Lebenswelt (I)

sexta-feira 2 de fevereiro de 2024

Em nossa experiência cotidiana nos encontramos com uma realidade que não se enquadra perfeitamente no horizonte de nossas vivências. Procuramos, então, acomodá-la para que ela não nos incomode. Quando fazemos essa localização de uma certa experiência num campo de nosso psiquismo ou, em outras palavras, de nosso universo interior, imanente, nós estamos pressupondo algo que seja capaz de recebê-la e que, por isso mesmo, seja anterior e distinto do conjunto das experiências pelas quais passamos e que, de certa maneira, não seja passível de ser experimentado. Como sabemos dessa experiência, desse campo em que outras experiências são acomodadas?

Ingressamos, com essa questão, numa esfera que sofreu diversas tentativas de designação pela Filosofia. Husserl   falava numa espécie de ato filosófico fundador. Quando usava essa expressão, chamava a atenção para um instante fora do tempo e do espaço no qual as coisas iniciam o seu movimento. As coisas iniciam um movimento significa: que é a partir de um lugar. Pôr-se em movimento significa: dizem-se coisas, descrevem-se coisas. Fala-se de experiências, de proposições, de textos, mas sempre é uma espécie de não lugar, mas é um não lugar onde e a partir do qual todas as coisas tomam seu lugar. Poderíamos dizer que todos nós sonhamos com esse “lugar” material, com esse lugar das origens, que ocupa, entretanto, uma espécie de posição dentro da reflexão filosófica que poderíamos chamar de antepredicativo.

É difícil chamar de antepredicativo aquilo que torna possível dizermos algo, mas a maneira de dizermos algo desse antepredicativo talvez não seja mediante o uso de frases que descrevem experiências, frases que queiram trazer algum tipo de realidade experimentável, mas de uma outra realidade, ou seja, de uma realidade de algum tipo diferente. E é justamente com isso que nós sonhamos, ou seja, com uma região ou um espaço que deveria poder exprimir-se em alguns verbos como saber, conhecer, interpretar ou ainda explicitar, compreender.

Assim sendo, nós não podemos falar desse não lugar sem possuirmos maneiras de torná-lo acessível para nós. Poderíamos dizer, de outra maneira, que em nossa biografia consciente procuramos alinhar nossas vivências sob um cordão vermelho para que elas tenham um certo sentido na nossa vida. Esse cordão vermelho é anterior à vida, mas ao possibilitar essa articulação, pressupõe sempre uma não articulação, quer dizer, algo que não se pode pôr na biografia, algo que foge da denominação ao nível da nossa biografia pessoal.

Há, ainda, outras maneiras de referirmos essa coisa que um dia Husserl chamou de Lebenswelt  . E interessante que isso tenha surgido justamente nesse filósofo que tinha um projeto de uma Filosofia absoluta, que tinha um projeto de redução transcendental  , isto é, de exclusão do mundo, na sua realidade, na sua existência. É interessante que justamente nesse filósofo tenha surgido uma conexão entre duas palavras — mundo e vida — que é precisamente aquilo que não diz respeito às tarefas para as quais enquanto filósofo ele se propunha.

Vamos, porém, falar de mundo da vida. O que está referido com a questão e o conceito de mundo da vida é anterior, pré-categorial, antepredicativo, preconceitual.


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