Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Ernildo Stein (1973:316) – “postura antropocêntrica” em Ser e Tempo?

quarta-feira 20 de setembro de 2023

Seja-me aqui permitida a observação de que o que até o presente momento foi publicado das investigações sobre Ser e Tempo   não tinha como tarefa outra coisa que o projeto concreto-desvelador da transcendência (cf. §§ 12-83; particularmente § 69). Isto ocorre, por sua vez, para que seja tornada possível a única intenção diretriz, que vem claramente apontada no título de toda a primeira parte, a de conquistar o “horizonte transcendental   da questão do ser”. Todas as interpretações concretas, antes de tudo a do tempo, devem ser unicamente estimadas no sentido de uma possibilitação da questão do ser. Elas têm tão pouco a ver com a moderna “teologia dialética” quanto com a escolástica da Idade Média.

Se lá (ST) o ser-aí é interpretado como o ente que realmente pode levantar algo assim como o problema do ser enquanto faz parte de sua existência, isto não quer dizer que este ente, que como ser-ai pode existir autêntica e inautenticamente, seja o ente enfim “propriamente dito” entre todos os entes restantes, como se estes fossem apenas uma sombra dele. Justamente pelo contrário, o que se quer é conquistar, na clarificação da transcendência, o horizonte no qual, primeiramente, o conceito de ser — também o muito falado conceito “natural” — se deixe fundamentar filosoficamente como conceito. Interpretação ontológica do ser na e a partir da transcendência do ser-aí, não quer, contudo, dizer derivação ôntica do universo do ente sem o caráter do ser-aí, do ente enquanto ser-aí.

E no que então se refere à objeção da “postura antropocêntrica” em Ser e Tempo, que está em conexão com tal interpretação falsa, objeção que, agora, com excessiva facilidade, é passada de mão em mão, esta nada diz enquanto se deixa de compreender — na consideração do ponto de partida, de toda a marcha e da meta do desenvolvimento dos problemas em Ser e Tempo —, como justamente, através da elaboração da transcendência do ser-aí, “o homem” alcança de tal modo o “centro” que sua nulidade apenas então pode e deve tornar-se problema na totalidade do ente. Que perigos, afinal, esconde um “ponto de vista antropológico” em si, quando, justamente tudo empenha unicamente para mostrar: a) que a essência do ser-aí, que está “no centro”, é ekstática, isto é, “ex-cêntrica”e b) que por isso também a presumida liberdade-de-ponto-de-vista que vai contra todo o sentido do filosofar, como uma possibilidade essencialmente finita da existência, permanece um delírio? Cf., para isso, a interpretação da estrutura ekstático-horizontal do tempo como temporalidade em Ser e Tempo, I, pp. 316-438. (N. do A.)

[Nota de Ernildo Stein  . HEIDEGGER, Martin. Conferências e Escritos Filosóficos. Tradução e notas de Ernildo Stein. São Paulo: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1973]


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