Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Domingues: eutanasia enquanto bem do outro

quinta-feira 25 de junho de 2020

O bem do outro é o elemento de valor de partida que justifica moralmente a deliberação da eutanásia [1]. A discussão filosófica que se estabelece à volta das condições de validade desta deliberação distingue dois argumentos, admissão da perpetração médica da morte pedida, instaurando-se o dever do médico de matar e deixar morrer por bem, e inviolabilidade da vida, um relacionado a uma condição de vida que resta viver, i.e., expectativa de vida digna na vida que resta viver – a conservação de uma vida digna, positiva, apesar do caráter destruidor do mal, doença, dor, sofrimento, é uma indagação filosófica fundamental -, o outro relacionado ao que a vida engloba, abismos, vulnerabilidade, e o princípio intrínseco da vida, inviolabilidade, pelo qual todos parecemos condenados a viver, ir em frente e sobreviver, aferida pela natureza racional, a fonte do julgamento da verdade do princípio da inviolabilidade da vida. Concordante com este último argumento, coerentemente, é verificada inconsistência lógica no pedido de alguém de assistência na morte se este tem por base um julgamento lógico sobre o bem da morte, se implica julgar em função da razão, precisamente, que a vida é um mal, absurdidade. Mas por outro lado, a razão, relacionada a um estado de degradação da existência da pessoa, pode traçar uma outra possibilidade, e que não é senão uma possibilidade de uma outra lógica de acção impotente, dividida, da razão. A ideia relativamente a esta razão é a de que é incompetente de decisão, de defesa, da inviolabilidade da natureza biológica, antropológica e espiritual da vida, de competência de decisão, a partir dela, de um requerer da assistência no morrer ou no prover de meios extraordinários para o prolongamento da vida, quando tudo acabou para o paciente e ele precisa de repousar. E é na decomposição das suas exigências que assentam os seus limites. A expressão da aceitação ou recusa desta decisão do fim de vida não lhe corresponde. Será a partir desta falta de razão, do seu limite, que serão tomadas as decisões. Na incapacidade de decisão da razão, estas deverão ser tomadas dependentes de motivos que se estendem sobre um certo ir além da razão [2]. Como se a área de declínio da razão fosse a origem de (nova) área da vida pujante na hora da morte.

[Excerto de DOMINGUES, José António. Condição moral da eutanásia. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2017, p. 4-5]


Ver online : Condição moral da eutanásia


[1Young, R. R.(2017), "Voluntary Euthanasia"(The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2017 Edition), Edward N. Zalta (ed.), https://plato.stanford.edu/archives/fall2017/entries/euthanasia-voluntary/, problematiza as condições morais de bem e de auto-determinação da decisão da eutanásia.

[2Baird, R. M. e Rosenbaum, S. E. (1997), Eutanásia: as questões morais. Venda Nova: Bertrand Editora, p. 51: “essas decisões terão de ficar dentro dos [novos] limites da relação de compaixão e de compreensão que se espera que exista entre o paciente e o seu médico e a família do paciente e o médico deste.” I.e., sympatheia, compassio, mesmo se dadas garantias de uma prática médica correcta e rigorosa.