Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Charles Taylor (EA:15-16) – razão instrumental

segunda-feira 23 de novembro de 2020

Talyta Carvalho

O desencantamento do mundo está ligado a outro fenômeno massivamente importante da Idade Moderna, que também perturba bastante muitas pessoas. Nós podemos chamá-lo de primazia da razão instrumental. Por “razão instrumental” quero dizer o tipo de racionalidade em que nos baseamos ao calcular a aplicação mais econômica dos meios para determinado fim. Eficiência máxima, a melhor relação custo-benefício, é sua medida de sucesso.

Não há dúvida de que o solapar das velhas ordens alargou imensamente o âmbito da razão instrumental. Uma vez que a sociedade não possui mais uma estrutura sagrada, que os arranjos sociais e os modos de ação não estão mais fundamentados na ordem das coisas ou na vontade de Deus, eles estão, em certo sentido, “disponíveis”. Podem ser redefinidos tendo suas consequências voltadas para a felicidade e o bem-estar dos indivíduos como nossa meta. O critério que doravante se aplica é o da razão instrumental. De maneira similar, uma vez que as criaturas que nos cercam perdem o significado que lhes foi atribuído de acordo com seu lugar na cadeia dos seres, elas podem ser tratadas como matéria-prima ou instrumentos para nossos projetos. [1]

Por um lado, essa mudança foi libertadora. Por outro, há também um mal-estar generalizado de que a razão instrumental não só ampliou seu âmbito como também ameaça dominar nossa vida. O medo é de que coisas que deveriam ser determinadas por outros critérios serão decididas em termos de eficiência ou análises de “custo-benefício”, de que os fins independentes que deveriam guiar nossa vida serão eclipsados pela demanda para maximizar a produção. Há diversas coisas que se pode indicar que dão substância a essa preocupação: por exemplo, os modos com que as demandas do crescimento econômico são usadas para justificar distribuições bastante desiguais de riqueza e renda, ou a maneira pela qual essas mesmas demandas nos tornam insensíveis às necessidades do meio ambiente, até mesmo a ponto de um desastre potencial. Ou, então, podemos pensar no modo em que boa parte de nosso planejamento social, em áreas cruciais como avaliação de riscos, é dominada por formas de análises de custo-benefício que envolvem cálculos grotescos, colocando valores tributáveis em vidas humanas. [2]

Original

The disenchantment of the world is connected to another massively important phenomenon of the modern age, which also greatly troubles many people. We might call this the primacy of instrumental reason. By "instrumental reason" I mean the kind of rationality we draw on when we calculate the most economical application of means to a given end. Maximum efficiency, the best cost-output ratio, is its measure of success.

No doubt sweeping away the old orders has immensely widened the scope of instrumental reason. Once society no longer has a sacred structure, once social arrangements and modes of action are no longer grounded in the order of things or the will of God, they are in a sense up for grabs. They can be redesigned with their consequences for the happiness and wellbeing of individuals as our goal. The yardstick that henceforth applies is that of instrumental reason. Similarly, once the creatures that surround us lose the significance that accrued to their place in the chain of being, they are open to being treated as raw materials or instruments for our projects.

In one way this change has been liberating. But there is also a widespread unease that instrumental reason not   only has enlarged its scope but also threatens to take over our lives. The fear is that things that ought to be determined by other criteria will be decided in terms of efficiency or "cost-benefit" analysis, that the independent ends that ought to be guiding our lives will be eclipsed by the demand to maximize output. There are lots of things one can point to that give substance to this worry: for instance, the ways the demands of economic growth are used to justify very unequal distributions of wealth and income, or the way these same demands make us insensitive to the needs of the environment, even to the point of potential disaster. Or else, we can think of the way much of our social planning, in crucial areas like risk assessment, is dominated by forms of cost-benefit analysis that involve grotesque calculations, putting dollar assessments on human lives.

[TAYLOR, Charles. A Ética da Autenticidade. Tr. Talyta Carvalho. São Paulo: É Realizações, 2017, p. 15-16]


Ver online : The Ethics of Authenticity


[1Tocqueville, op. cit., p. 127.

[2Para os absurdos desses cálculos, ver R. Bellah et. al., The Good Society. Nova York, Knopf, 1991, p. 114-19.